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‘É na coletividade radical que nos fortalecemos’: como a juventude transexual e não binária busca mudar a política fluminense

  • Gabriel de Souza e Sabrina Massuia
  • 22 de out.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de nov.

Che Guevara proclamou: “ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, quando questionado sobre os revolucionários cubanos, após o movimento armado de 1959. Quase 70 anos após a queda da ditadura de Fulgencio Batista, a juventude do Rio de Janeiro une forças para construir projetos de leis (PLs) a fim de reverter as desigualdades socioambientais fluminenses. A terceira edição do programa Juventude no Parlamento ocorreu entre julho e agosto, com a temática das mudanças climáticas. 


O projeto faz parte do gabinete da deputada estadual Dani Balbi (PCdoB). Foram selecionados 21 estudantes universitários, de perfis e perspectivas diferentes, para vivenciarem o cotidiano da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Eles se organizaram em sete grupos de trabalho (GTs) orientados pela equipe da mandata. 


Deputada estadual do Rio de Janeiro Dani Balbi. Foto: Hiago Farias (@hiagodefarias)
Deputada estadual do Rio de Janeiro Dani Balbi. Foto: Hiago Farias (@hiagodefarias)

Os GTs se dividiram em “Mulheres e Negritudes”, “Ordem do Dia”, “Trabalho e Economia” e “Comunicação”. Os grupos “Meio Ambiente”, “Tecnologia e Educação” e “LGBTQIAP+” complementaram o programa. Os participantes contribuíram com pesquisas e sugestões para projetos de leis dentro do eixo temático. 


Na edição anterior, sob o tema políticas antirracistas, as pesquisas resultaram no lançamento da cartilha “Qual é a cor do orçamento: uma análise das ações orçamentárias de políticas de igualdade racial presentes na LOA 2020-2023”. Neste ano, as ações da Juventude convergiram para a protocolização de uma lei inédita sobre a transfobia ambiental. Pela primeira vez, o Juventude no Parlamento contou com o GT-LGBTQIAP+, formado apenas por pessoas transexuais e não binárias. Os participantes Maya Alves, Lu Sales e Patrick Carvalho idealizaram um projeto de lei sobre os efeitos das mudanças climáticas na comunidade.


Pioneirismo ancestral

Maya Alves é graduanda de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A construção da carreira acadêmica dela é pautada em garantir a emancipação da comunidade transexual e não binária. Sendo assim, atua como vice-presidente no projeto poliesportivo Aquatrans. O coletivo oferece esportes aquáticos no litoral carioca, a fim de ressignificar a relação de tais corpos em um ambiente, muitas vezes, abandonado durante a transição.


“Acredito na juventude. Não exclusivamente nela, como a possibilidade de reinventar mundos, porque esse em que vivemos já faliu. Digo no sentido daquele que o mestre Ailton Krenak [ambientalista indígena] nos conta, em que não nos rendemos a essa narrativa paralisante e capitalista de fim do planeta”.


Historiadora e vice-presidente do projeto Aquatrans Maya Alves. Foto: Hiago Farias (@hiagodefarias)
Historiadora e vice-presidente do projeto Aquatrans Maya Alves. Foto: Hiago Farias (@hiagodefarias)

Sob esse viés, ela exalta a ancestralidade indígena e negra, não apenas na atuação política nos movimentos organizados, mas também na jornada pessoal. “Nossos passos vêm de longe. É na coletividade radical que nos fortalecemos”, declara.


E é na coletividade que Maya conduziu o trabalho no Juventude do Parlamento ao longo dos dois meses. Ao lado de Lu Sales e Patrick Carvalho, os participantes do GT-LGBTQIAP+ pesquisaram, mapearam e coletaram informações sobre a transfobia ambiental. O resultado foi o projeto de lei “Política Estadual de Abrigamento Digno para Pessoas Trans e Travestis do Estado do Rio de Janeiro”.


Transfobia ambiental

O Brasil é extremamente perigoso para a população transexual e não binária. O dossiê de 2024, feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), coloca o país na liderança dos assassinatos de membros dessa comunidade, com casos acima de 96% contra identidades trans-femininas. Entretanto, em tempos de polarização política e de mudanças climáticas, torna-se necessário compreender quais são os aspectos socioambientais que caracterizam a transfobia. 


Somente 0,38% da população trans trabalha formalmente, e a maioria não tem apoio familiar, ou seja, são alvos mais propensos ao estado de vulnerabilidade social. O termo transfobia ambiental, portanto, designa como a dificuldade de acessos e a violência sistemática conseguem maximizar os problemas causados pelas tragédias ambientais. 


É importante considerar o recorte de raça, classe e gênero. O apontamento revela que os assassinatos são majoritariamente de mulheres transexuais negras, empobrecidas e nordestinas. Ele também revela outro fato perturbador: muitos desses assassinatos foram feitos em espaços públicos, com crueldade.


Mesmo diante dos dados, Maya denuncia o apagamento transracial presente nas agendas políticas de enfrentamento à atual crise climática. “Foi crucial para a elaboração e o entendimento de como o nosso PL deveria operar. Nós garantimos abrigos específicos, seguros e trans-orientados, além de serviços de saúde, apoio psicológico, jurídico e social para pessoas trans em situação de vulnerabilidade social, econômica e ambiental”, explica.


Encerramento do projeto Juventude no Parlamento. Foto: Hiago Farias (@hiagodefarias)
Encerramento do projeto Juventude no Parlamento. Foto: Hiago Farias (@hiagodefarias)

O objetivo é atender exclusivamente pessoas trans e travestis em situação de rua, despejo forçado, expulsão familiar, violência transfóbica ou desastres ambientais, visando suprir a ausência de serviços sociais voltados para a comunidade. Também não serão exigidos documentos que comprovem abandono ou violência, assegurando que ninguém fique desamparado em momentos de crise. 


Além do alojamento seguro, os abrigos oferecerão alimentação, atendimento médico, psicológico, jurídico e social, bem como encaminhamentos para educação, capacitação profissional e moradia definitiva. Equipes multiprofissionais, com participação prioritária de pessoas trans, atuarão de forma humanizada e inclusiva, reafirmando o compromisso do Estado com a justiça climática, os direitos humanos e o enfrentamento da transfobia e do racismo.


“Ou seja, nosso PL é, sobretudo, uma construção coletiva, marcada pela subjetividade de pessoas trans e travestis, dentro de suas interseccionalidades. Uma confluência entre as nossas experiências de transgeneridade que influenciaram o modo como nosso Projeto de Lei deveria ser construído”, Maya resume.


O futuro

No último encontro do Juventude do Parlamento, em agosto, o GT-LGBTQIAP+ apresentou o texto base do projeto para Dani Balbi, na Alerj. O dia marcou a conclusão do programa, além da entrega de certificados aos participantes. 


Na plenária, em cima do palco, Maya Alves declama, com a voz emocionada, que a PL foi protocolada na instituição, isto é, o texto-base seguirá o processo legislativo com a possibilidade de ser aprovado. Mesmo no processo inicial, e com as dificuldades em tramitar leis sobre a comunidade transexual e não binária no Rio de Janeiro, a ação se torna uma vitória.


É o ponto máximo do projeto construído pelos três pioneiros do programa. Sob aplausos, a estudante encerrou os dois meses de trabalho com otimismo pelas transformações socioambientais construídas pela luta coletiva. Por último, ela lembra: “A minha ancestralidade me mantém firme e comprometida com a verdade de ser livre, acima de tudo, sou livre.”


Publicado por Gabriel Gatto




Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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