Tarifa cara, trem vazio: o colapso silencioso do transporte sobre trilhos no Rio
- Maria Luiza Vieira, Pamela Xavier e Guibsom Romão
- 10 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 16 de jul.
Enquanto as passagens seguem entre as mais caras do Brasil, o sistema ferroviário do estado enfrenta queda de demanda, promessas antigas e uma crise política que culminou na exoneração do secretário de Transportes
No início de junho, o então secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, Washington Reis (MDB), anunciou a redução das tarifas do metrô e dos trens para R$ 4,70, com subsídio do governo estadual. A proposta ganhou repercussão nas redes sociais digitais e chegou a ser noticiada por veículos da imprensa. Horas depois, no entanto, o Palácio Guanabara divulgou uma nota afirmando que a medida ainda não estava definida e que dependia de estudos técnicos. No último 3 de julho, o impasse teve um desfecho político. Washington Reis foi exonerado do cargo em uma edição extra do Diário Oficial, assinada pelo governador em exercício, Rodrigo Bacellar (União Brasil). A saída ocorreu após dias de especulação sobre possíveis desentendimentos entre o secretário e a alta cúpula do governo estadual.
O episódio reabriu o debate sobre o preço das tarifas no transporte sobre trilhos no Rio de Janeiro, que atualmente se destaca como o mais alto entre as capitais brasileiras. No metrô, o valor por trecho é de R$ 7,90. Nos trens da SuperVia, a tarifa pode chegar a R$ 7,60. Em comparação, as tarifas em outras capitais são menores: em São Paulo, o valor é R$ 5,20, enquanto em Belo Horizonte é R$ 5,80.
A diferença de valores está relacionada ao modelo de financiamento adotado no estado. Enquanto em outras regiões, o poder público subsidia parte da tarifa – 44% em São Paulo, 54% no Distrito Federal e 66% em Salvador, por exemplo – no Rio, o passageiro arca com praticamente 100% do custo. Em algumas capitais do Nordeste, como Recife, João Pessoa, Maceió e Natal, o subsídio supera os 90%.
Desde 2015, a passagem do Metrô Rio é a mais cara da região Sudeste. Com exceção de 2018, a tarifa teve reajuste em todos os anos até 2025, sendo o maior deles de 2020 a 2021, durante a pandemia do covid-19, com um aumento de R$ 0,80.
Fonte: CPTM; Prefeitura de BH e Metrô de BH e G1.
No entanto, a crescente nos preços se contrapõe aos números de passageiros durante esse mesmo período, durante e pós-pandemia. Dados da Prefeitura do Rio em conjunto às concessionárias mostram essa mudança. No metrô, as viagens diminuíram 24%; nos trens, a maior queda: cerca de 160 milhões de viagens caíram para pouco mais de 80 milhões, ou seja, reduziram quase pela metade.
O aumento de valor da tarifa não traz consigo nenhuma melhoria no transporte ferroviário do estado. Um exemplo disso é a estação Gávea, na Zona Sul, cujas obras de construção começaram em julho de 2013 e com a inauguração prevista para 2016. Após cinco adiamentos e algumas paralisações nas obras, em abril deste ano, a dupla Castro e Reis anunciou a retomada das obras da estação e a promessa de inauguração em março de 2028.
Como forma de diminuir a problemática da queda do número de passageiros a partir do barateamento da tarifa, o ex-secretário Washington Reis, em entrevista ao jornal O Globo, propôs a utilização do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP), o mesmo que atualmente financia o Bilhete Único Intermunicipal. Segundo Reis, o impacto da medida seria de R$ 300 milhões em 2025 e R$ 500 milhões em 2026. A expectativa era de que a redução no valor incentivasse o aumento da demanda. A previsão era que o metrô passasse de 650 mil para 900 mil passageiros por dia, enquanto o número de usuários dos trens poderia crescer de 358 mil para 600 mil ao dia.
O sistema aquaviário, que passou por mudanças recentes, tem sido citado como exemplo de impacto positivo após a revisão tarifária. Em março de 2025, o valor das passagens nas linhas Praça XV - Arariboia, Cocotá e Paquetá caiu de R$ 7,70 para R$ 4,70. A mudança foi possível graças à adoção de um novo modelo de concessão, no qual a remuneração da empresa operadora é baseada na quilometragem navegada, e não mais na quantidade de passagens vendidas.
Além disso, as mudanças nesse modal vem ao encontro de um novo cenário no que diz respeito às barcas, que passaram de uma concessão à CCR para operação pelo próprio governo do estado, com apoio do consórcio Rio Barcas. Desde a baixa dos preços, a demanda aumentou 18%. Segundo o material divulgado pelo governo, em 30 de abril, o sistema registrou 54.973 embarques, o maior número desde o início da pandemia.
A linha Charitas, que antes cobrava R$ 21 por passagem, também teve redução de tarifa, passando a R$ 7,70 após um convênio entre o governo estadual e a Prefeitura de Niterói. O número de passageiros transportados diariamente subiu de 3.500 para 7.445, o que representa um crescimento de 112%.
Tarifa cheia, serviço precário
Além do valor elevado da tarifa, os usuários enfrentam uma série de falhas operacionais e estruturais. Transportes superlotados, quebrados, sem ar-condicionado, estações sem estrutura adequada e sem policiamento são desafios vividos diariamente pelos passageiros que circulam pela Região Metropolitana do Rio – fatores que também contribuem para a queda do número de pessoas que utilizam esses serviços. Segundo um levantamento realizado pela FGV Transportes em abril deste ano, cerca de 40% dos usuários avaliam a mobilidade urbana do Rio de Janeiro como ruim ou péssima, tendo a pior nota entre as capitais analisadas – São Paulo e Belo Horizonte.
No estudo, desenvolvido em parceria com a Systra Brasil e o Instituto Primestar, a instituição destaca os desafios de integração entre os modais no território fluminense, problemas de manutenção e gestão, além da desigualdade no acesso à mobilidade, com certas regiões sendo mais impactadas do que outras frente ao sistema de transporte público.
No dia a dia no transporte público ferroviário, é fácil observar as falhas: composições antigas, intervalos longos, sinalização precária, acessibilidade insuficiente e insegurança. Nos trens da SuperVia, são comuns relatos de cancelamentos e pane seca. No metrô, a expansão estagnou. O cenário de abandono confirma que mais do que um preço justo na passagem, o usuário precisa também de investimento em infraestrutura, conforto e segurança.
Com tarifas caras e serviços ruins, cresce o número de passageiros que deixam de pagar. Segundo a Supervia, em nota enviada ao jornal Correio do Brasil, cerca de 18 mil pessoas, em média, viajam sem pagar – os famosos “calotes”. Esse movimento está diretamente ligado à perda de confiança no sistema: o passageiro deixa de pagar porque não acredita estar recebendo o que pagou. E, ao mesmo tempo, a diminuição da demanda fragiliza ainda mais a operação das concessionárias.
Promessas de longa data

No último 9 de junho, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana (Setram) e da Riotrilhos, apresentou uma prévia do projeto de expansão metroviária do Rio de Janeiro. O plano inclui a ligação Estácio - Praça XV, a criação da aguardada Linha 3 – que conectaria Praça XV, Niterói e Guaxindiba – e a extensão da Linha 4 até o Recreio dos Bandeirantes. Apesar da apresentação recente, a promessa de ampliação das linhas do metrô na Região Metropolitana é antiga e acumula décadas de frustração.
Segundo o governo, o projeto atual prevê a construção de 31 novas estações, 44 quilômetros de trilhos e um túnel sob a Baía de Guanabara, com entrega prevista até 2032. O investimento estimado é de R$ 28,8 milhões apenas na elaboração dos estudos, que devem ser viabilizados por meio de parcerias público-privadas, além de recursos do governo estadual, da Prefeitura do Rio e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Atualmente, o metrô do Rio de Janeiro conta com 51 quilômetros de extensão, 41 estações e transporta cerca de 650 mil passageiros por dia. A última expansão do sistema aconteceu há quase uma década, em 2016, com a entrega de cinco estações e oito quilômetros de trilhos da Linha 4, entre Ipanema e a Barra da Tijuca. O trecho, que foi construído com foco nos Jogos Olímpicos, chegou a ser inaugurado com operação limitada e só passou a funcionar plenamente meses depois.
Fora dos holofotes esportivos, outros projetos não tiveram o mesmo avanço. Um exemplo emblemático é a estação Gávea citada anteriormente e que se tornou um símbolo do abandono e da instabilidade da política de mobilidade urbana no estado.
A Linha 3, por sua vez, é debatida desde a década de 1990 para integrar Niterói e São Gonçalo ao restante da malha metroviária e ao centro do Rio. O projeto original previa até 22 quilômetros de trilhos e conexões com os sistemas de barcas e trens, mas nunca saiu do papel. Em 2014, durante o governo de Sérgio Cabral, chegou a ser lançado um edital para as obras, que foi posteriormente suspenso. Desde então, a Linha 3 tem sido recorrentemente citada em planos e campanhas, mas sem avanço efetivo.
Entre atrasos, novos anúncios e projetos interrompidos, as sucessivas promessas de expansão da malha metroviária vêm enfrentando o ceticismo da população. Ao mesmo tempo, o sistema atual opera sob forte pressão, com demanda reduzida desde a pandemia, tarifas elevadas e desafios estruturais. Diante desse cenário, os novos anúncios são recebidos com cautela por especialistas e usuários, que cobram mais do que projeções.
.png)




