Projeto social oferece oportunidades para jovens no mercado profissional de games
- João Barbosa e Lucas Apolinário
- 13 de jan.
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de jan.
Medalhista olímpica é idealizadora do “Gaming Parque”, que, no Rio de Janeiro, acontece na Rocinha
Historicamente, a relação entre jovens e jogos eletrônicos é, com frequência, percebida como conflituosa. É comum ouvir que ambientes excessiente tecnológicos podem atrasar o desenvolvimento infantojuvenil. No entanto, sob uma perspectiva diferente, um hub de jogos virtuais localizado na maior favela da América Latina vem desafiando essa visão ao criar inúmeras oportunidades para crianças e adolescentes de baixa renda. Para muitos, os jogos digitais deixaram de ser apenas uma forma de entretenimento e passaram a ser uma ferramenta de desenvolvimento pessoal e profissional.
O Gaming Parque é uma iniciativa sem fins lucrativos que atua na comunidade da Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Fundado em abril de 2022, o projeto foi idealizado por Adriana Samuel, bi-medalhista olímpica de vôlei, e abraça cerca de 130 jovens da comunidade, com idades entre 8 e 17 anos, formalmente matriculadas em escolas tanto do ensino público quanto do particular. A ex-atleta enxergou nos dispositivos móveis uma poderosa ferramenta de capacitação para os eSports – competições esportivas de modalidades virtuais que movimentam um mercado crescente – e de promoção da inclusão digital.
Mercado em alta
A ideia de criar um projeto que atendesse a essa área veio a partir do aumento do número de jogadores pelo Brasil, que se consolidou em 2023 como o maior mercado de jogos da América Latina e o segundo maior do Sul Global, atrás apenas da Coreia do Sul, somando uma receita de US$ 2,6 bilhões no ano (cerca de R$ 12,66 bilhões). Os dados foram lançados pela Newzoo, empresa neerlandesa referência na análise de dados do mercado de games, em seu levantamento de 2023.
As expectativas são de um aumento exponencial dos números das receitas para os próximos anos, principalmente no cenário nacional. De acordo com dados da Pesquisar Games Brasil (PGB) de 2020, realizada pela Go Gamers e SX Group em parceria com a ESPM e a Blend New Research, três a cada quatro brasileiros jogam games, o que corresponde a quase 73,4% da população. No levantamento de 2024, que reuniu 13.350 entrevistados, os dados demonstraram que cerca de 52,3% acreditam que o setor de jogos eletrônicos oferece boas oportunidades de emprego. Outros 21,8% são indiferentes ao mercado e 16,2% não acreditam que haja boas oportunidades de trabalho nesse espaço. Ainda de acordo com a PGB 2024, cerca de 76,5% dos entrevistados disseram que os jogos eletrônicos são esportes legítimos.
Esse crescimento acentuado dos chamados “players” — nome em inglês para jogadores — traz consigo um impacto nas receitas do mercado como um todo. De acordo com dados da empresa GamesIndustry.biz, com base em dados da Newzoo, Sensor Tower, Fancensus e Famitsu, empresas conceituadas na análise de dados do mercado dos jogos eletrônicos, o cenário global de games teve uma receita de US$ 184.3 bilhões de dólares (aproximadamente R$ 1,1 trilhão) no ano de 2024. O valor é maior que o PIB — Produto Interno Bruto — de Portugal no ano de 2023.
Para efeito de comparação, a National Football League (NFL), torneio estadunidense de futebol americano, que se consolidou como uma das principais ligas esportivas do mundo, gerou uma receita na faixa de US$18,7 bilhões (R$ 110 bilhões, aproximadamente) em 2023. O valor registrado pelo mercado dos jogos eletrônicos em 2024 equivale a quase 10 vezes mais que o alcançado pela liga.
Iniciativas da Prefeitura
A magnitude dos jogos eletrônicos se embrenhou até no campo público. A prova disso foi que, em junho de 2022, a Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia, criou a Coordenadoria de Games e eSports na Nave do Conhecimento Museu Cidade Olímpica e Paralímpica, localizada no bairro de Engenho de Dentro, na Zona Norte. O objetivo foi justamente a promoção de ações públicas que visassem uma maior inserção da cultura dos eSports no cotidiano popular carioca.
Ainda de olho nas possibilidades que o mercado tem a oferecer, a Prefeitura do Rio já implementou iniciativas em prol do desenvolvimento da área, e promoção da cultura dos games, como a inauguração da Arena Gamer, em janeiro de 2024. Esta é a primeira arena pública de eSports do Brasil, e conta com um palco capaz de receber dois times com até cinco jogadores, um estúdio de transmissão, camarins, área para equipe técnica, um telão de LED para transmissão das partidas e arquibancada para 100 pessoas. Além disso, a Arena tem um estúdio de podcast.
Em três meses, a Arena Gamer já sediou um torneio de eSports: a Copa Carioca, um campeonato que reuniu nove times universitários do Rio de Janeiro disputando nas modalidades Valorant e CS2 (dois jogos de tiro em primeira pessoa). O evento foi transmitido em canais de streaming pelos chamados influenciadores digitais ligados ao universo gamer, ampliando a divulgação tanto do torneio quanto do segmento de mercado. Em conjunto com o torneio, o evento também promoveu a Joga Rio, uma feira de jogos cariocas, realizada no Espaço Lab, com oito estandes de produtoras que expuseram ao público presente o potencial da indústria de jogos cariocas.
Esports é inclusão
O projeto social Gaming Parque entende que os jogos eletrônicos possuem uma qualidade além do âmbito comercial, ele pode ser usado como ferramenta de aprendizado para crianças e jovens. Isso ocorre através de aulas interativas, palestras com convidados externos e trabalha questões multidisciplinares, envolvendo a relação da língua portuguesa e inglesa, história, arqueologia, arte e cultura e programação com elementos presentes não só na narrativa dos videogames, mas também em aspectos técnicos como a dublagem e a música. O projeto também conta com salas de recreação, ensino técnico e prático sobre os videogames e espaços especiais para o ensino.
Dara Coema é instrutora e coordenadora técnica do Gaming Parque e comenta mais sobre a proposta do projeto:
------ Muitas crianças não têm acesso à tecnologia que a gente apresenta. O celular é mais frequente na vida delas, mas, mesmo assim, elas não sabem todas as ferramentas que um aparelho pode ter. Muitas das crianças ali nunca utilizaram computadores, consoles de jogos (…) Então, o Gaming Parque acaba sendo importante para inclusão digital. O interesse desses jovens de entrarem nesse cenário dos jogos, dos esportes eletrônicos, nos dá a oportunidade de mostrar a eles não só esse cenário de competições como muitas outras possibilidades ------ explica a coordenadora.
As possibilidades empregatícias que Dara comenta são diversas, indo desde ao setor de programação ao de marketing e publicidade, incluindo, claro, o setor dos atletas profissionais. Todas as possíveis carreiras possuem sua dose de interesse por parte do público, conforme consta na PGB 2024. Os dados demonstram os segmentos mais desejados pelo público: a área de Publicidade e Marketing (63,4%); Arte (60,7%) e Produção e Gestão (60,4%). Além destes segmentos, outras cinco áreas do conhecimento estão inclusas. A carreira de Pro Player está destacada com 60,3% do total dos interessados ouvidos pela pesquisa.
Pioneirismo
Iniciativas como essa não são inéditas no Rio de Janeiro. Um exemplo é o AfroGames, um projeto social criado em 2018, que atua no Morro do Timbau, Nova Holanda (Complexo da Maré) e Vigário Geral (Complexo de Israel). A iniciativa promove valores semelhantes, oferecendo cursos de programação, design e inglês para ampliar o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens dessas comunidades.
Yago Bezerra, ex-instrutor do Gaming Parque, compartilha sua experiência:
"Me encantei quando conheci o projeto e percebi o quanto era necessário ter algo assim nas favelas. Eu não tive esse apoio, e ele foi essencial para ajudar jovens com o sonho de aprender e ingressar nesse vasto mercado dos games, conectando-se com pessoas que compartilham do mesmo objetivo.”
Em 2024, outro importante projeto ganhou vida: o DiversiGames. Com a missão de promover o acesso à cultura gamer, à tecnologia e à inovação digital, a iniciativa também se dedica a ampliar oportunidades para grupos minorizados.
Publicado por: Júlia Scárdua