As 6 Horas de São Paulo ao longo dos anos
- Matheus Domingues
- há 3 dias
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De corrida de nicho a evento de massa: os fatores que impulsionaram o crescimento das 6 Horas de São Paulo
Quando as 6 Horas de São Paulo desembarcaram no Autódromo José Carlos Pace (Interlagos) pela primeira vez, em 2012, a categoria ainda era um projeto ambicioso da FIA World Endurance Championship (WEC) para levar o espírito de Le Mans ao mundo. Poucos imaginavam que, anos depois, o evento voltaria ao Brasil com tamanha força, arquibancadas cheias, fan zone lotada e um público cada vez mais apaixonado. O crescimento das 6 Horas de São Paulo é hoje um dos símbolos da consolidação do endurance no país, e entender o que impulsionou esse aumento revela como o evento evoluiu de corrida técnica para um verdadeiro festival de automobilismo.

Na estreia de 2012, cerca de 25 mil pessoas foram a Interlagos curiosas com aquele formato inédito de “corrida de seis horas”, dominado por protótipos e carros de fábrica. A vitória ficou com a Toyota Racing, de Alexander Wurz e Nicolas Lapierre, em um evento que ainda falava diretamente aos entusiastas do automobilismo de longa duração. O público era majoritariamente formado por fãs de corridas de endurance, acostumados a nomes como Le Mans e Sebring, um público fiel, mas limitado.
No ano seguinte, 2013, o evento começou a ganhar corpo: a Audi Sport Team Joest venceu com André Lotterer, Marcel Fässler e Benoît Tréluyer, e o público subiu para aproximadamente 38 mil pessoas. Já em 2014, a Porsche Team conquistou sua primeira vitória em Interlagos, com Romain Dumas, Neel Jani e Marc Lieb, encerrando a primeira passagem do WEC pelo Brasil. Não há registros oficiais do número de espectadores daquele ano, mas é sabido que o público se manteve estável em relação à edição anterior, ainda restrito a um nicho de apaixonados pelo endurance. Na época, não havia uma fan zone estruturada como hoje; o evento contava apenas com áreas básicas de alimentação e pequenos estandes de patrocinadores.
Depois disso, o evento deixou o calendário por dez anos, e o motivo foi uma combinação de fatores. O contrato com o autódromo não foi renovado após 2014 por questões logísticas e financeiras: o custo elevado para trazer as equipes e estruturas internacionais, aliado à distância geográfica e à falta de garantias de público, fez a FIA optar por etapas na Ásia e no Oriente Médio. O WEC ainda anunciou o retorno em 2020, mas a pandemia de covid-19 cancelou a prova antes que ela fosse disputada. Assim, o retorno efetivo só aconteceu em 2024, com uma nova proposta e um campeonato já fortalecido globalmente.
Essa nova fase foi decisiva. O WEC de 2024 marcou um novo patamar: mais de 73 mil pessoas passaram por Interlagos no fim de semana, segundo dados oficiais. A vitória foi da Toyota Gazoo Racing (#8), com Sébastien Buemi, Brendon Hartley e Ryo Hirakawa. No ano seguinte, o crescimento continuou, 84.741 pessoas acompanharam as 6 Horas de São Paulo de 2025, um aumento de quase 16%. A Cadillac Racing (#12), com Alex Lynn, Norman Nato e Will Stevens, conquistou a vitória em dobradinha com a equipe-irmã, simbolizando também a chegada de novas forças à categoria.

Mas o aumento de público não é acaso: ele é resultado direto da transformação do evento. O WEC deixou de ser uma competição restrita aos fãs de corridas de longa duração e tornou-se um espetáculo completo, que mistura tecnologia, entretenimento e proximidade com o público.
O primeiro fator dessa mudança está nas equipes e montadoras. Se nas primeiras edições o WEC ainda engatinhava em termos de marcas reconhecíveis, hoje o campeonato reúne gigantes como Ferrari, Porsche, Toyota, Cadillac, Peugeot e BMW, todas competindo com seus hypercars, máquinas híbridas que combinam desempenho e inovação tecnológica. A presença de marcas conhecidas torna o evento mais acessível ao grande público, que passa a identificar os carros e sentir que faz parte daquela competição.

Além dos hypercars, a categoria LMP2 também teve papel importante nessa aproximação com o público. Diferente dos protótipos principais, os carros da LMP2 são máquinas mais “comuns” dentro do universo do endurance, ainda extremamente potentes, mas mais próximos da realidade técnica e estética de um carro de corrida convencional, o que facilita a identificação do público.
Em 2025, os brasileiros Eduardo Barrichello e Augusto Farfus chamaram atenção não apenas pelo desempenho, mas pelas pinturas especiais que trouxeram em seus carros em homenagem ao Brasil. O jovem piloto, filho de Rubens Barrichello, protagonizou uma disputa intensa pelo pódio, enquanto Farfus reforçou sua conexão com o público brasileiro ao exibir uma arte vibrante nas cores verde e amarela. Essas personalizações ajudaram a reforçar o clima festivo que tomou conta de Interlagos e o sentimento de pertencimento dos torcedores.

Além disso, o evento evoluiu para uma experiência completa de entretenimento. A fan zone tornou-se o coração da interação com o público. O narrador da ESPN Matheus Pinheiro, que acompanhou de perto as últimas edições, destacou na época que a organização havia percebido o sucesso do formato e, por isso, decidiu ampliar o espaço em 2025. Segundo ele, a inclusão de artistas mais renomados, como Raimundos, CPM 22 e Capital Inicial, e a variedade maior de opções gastronômicas representaram um claro salto de qualidade em relação ao ano anterior.
Pinheiro também ressaltou que a fan zone cumpriu papel fundamental para o engajamento do público, permitindo que as pessoas entendessem melhor quem eram as montadoras, as equipes e o que cada marca oferecia. Para ele, o espaço foi essencial para transformar a corrida em uma experiência completa, um lugar para andar, se divertir e viver o evento, e não apenas assistir à prova.

Essas mudanças ajudaram a transformar as 6 Horas de São Paulo em um festival de automobilismo, no qual o público não vai apenas para ver o resultado da pista, mas para viver uma experiência completa, com música, cultura, tecnologia e contato direto com os pilotos.
O Pit Walk, por exemplo, permite que os fãs entrem na pista e conheçam as equipes antes da corrida, algo impensável em categorias mais restritas como a Fórmula 1. Durante esse momento, o público tem a chance de ver os pilotos de perto, tirar fotos, pedir autógrafos e acompanhar os preparativos das equipes. Esse contato direto cria uma conexão que vai além da arquibancada, muitos fãs relatam que é o momento mais marcante do fim de semana. Ver nomes como Barrichello, Button ou até estrelas internacionais, como o heptacampeão do Moto GP, Valentino Rossi, a poucos metros de distância reforça o sentimento de pertencimento e transforma o evento em uma experiência pessoal e memorável. Essa proximidade é um dos grandes diferenciais das 6 Horas de São Paulo, e um dos motivos mais fortes para o crescimento contínuo do público.
O comentarista Felipe Meira, do Bandsports, reforçou que o aumento do público também reflete o crescimento do próprio interesse global pelo automobilismo. Ele apontou que muitos fãs chegaram ao WEC por meio da Fórmula 1, e que o fortalecimento digital das categorias ajudou a abrir novas portas. Para Meira, o endurance se tornou mais atrativo porque o campeonato evoluiu muito em termos de competitividade e visibilidade: “Em 2012 ou 2013, tínhamos duas ou três marcas brigando. Hoje, o grid é repleto de montadoras grandes, e isso muda completamente a percepção do público. Além disso, o evento é mais aberto, mais próximo das pessoas do que a F1 costuma ser”, avaliou.
O posicionamento no calendário também ajuda. As 6 Horas de São Paulo acontecem logo após as 24 Horas de Le Mans, aproveitando o hype da prova mais tradicional do endurance mundial. O público vem animado pelo clima de Le Mans, e o evento brasileiro surfa nessa onda global, com visibilidade ampliada nas redes e na imprensa especializada.
Outro fator recente é o papel das redes sociais digitais e dos influenciadores, que ajudaram a conectar o evento a um público mais jovem e diverso. Muitos criadores de conteúdo têm levado o automobilismo para além da pista, produzindo vídeos e coberturas que misturam informação e entretenimento, uma linguagem que aproxima o público do evento e desperta o interesse até de quem nunca acompanhou o endurance. Perfis especializados em automobilismo e com uma pitada de humor ajudaram a levar o WEC a circular em espaços digitais muito além do nicho tradicional das corridas.
Somando tudo isso, montadoras globais, pilotos conhecidos, shows, experiências imersivas e ampla divulgação, o resultado é claro: as 6 Horas de São Paulo cresceram com o próprio WEC. O que antes atraía alguns milhares de entusiastas hoje movimenta dezenas de milhares de pessoas em um fim de semana, transformando Interlagos em um verdadeiro ponto de encontro dos verdadeiros fãs de automobilismo.
De 25 mil pessoas em 2012 a quase 85 mil em 2025, o público mais do que triplicou. E se a tendência continuar, o evento deve consolidar-se não apenas como uma etapa importante do calendário, mas como uma grande celebração da paixão brasileira pela velocidade.
Publicado por Camily França.
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