Os impactos da escala de seis dias de trabalho
- Felipe Targino e Jean Guimarães
- 6 de jan
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Atualizado: 10 de jan
Empregados precisam lidar com a ausência de tempo para cuidar de si e problemas psicológicos, em geral, causados pelos superiores

O relógio marcava 8h da manhã em ponto. Era o segundo domingo do mês de maio, data em que se celebra o Dia das Mães no Brasil. Enquanto jovens de 18 anos iriam aproveitar o momento ao lado das genitoras, o técnico de Farmácia Pedro Teixeira começava mais um dia de trabalho de sua exaustiva rotina. A escala 6x1 não permitiu que o carioca, morador do bairro de Campo Grande, estivesse junto à família em mais uma confraternização. As folgas aos finais de semana eram raras e as condições de trabalho que o hospital da Zona Norte do Rio de Janeiro fornecia também não eram das melhores, uma vez que não tinha cadeira no local onde o jovem ficava. A realidade de Pedro é a mesma de aproximadamente 32 milhões de brasileiros que trabalham de carteira assinada em uma escala igual ou superior a 40 horas semanais, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Ao relembrar o dia que perdeu a confraternização familiar, Pedro relata: “Eu me lembro de ficar muito triste. Chegava umas 17h30/18h em casa. Lembro que chorei porque havia perdido o dia de estar com minha família e fui almoçar sozinho a hora que cheguei”, recorda. Mas essa não foi a única data importante em que o técnico de Farmácia esteve ausente dos encontros familiares, ele conta: “Eu trabalhei em natais, anos-novos, Páscoa”. Além de trabalhar no hospital, o carioca ainda cursava a faculdade de Administração. Ao ser perguntado sobre o tempo para lazer, Pedro dispara: “Definitivamente, não (tinha tempo). Eu tinha uma folga semanal, que geralmente caía dia de semana. Como estava cansado do serviço e da faculdade, acabava tirando o dia para fazer as coisas da faculdade e resolver problemas pessoais, consultas, exames, bancos”, comenta.
A perda de datas importantes e a falta de tempo para cuidar de si mesmo, muitas vezes, não são os únicos problemas enfrentados pelos cidadãos que trabalham em uma escala acima de 40 horas semanais. Além das questões pessoais, em muitas ocasiões, ainda é preciso lidar com pressões psicológicas e abusos de diferentes naturezas por parte dos empregadores. Pedro Teixeira relata que a coordenadora do trabalho controlava as idas ao banheiro e o tempo do café: “Por um tempo, minha ex-chefe liberou 10 minutos pela manhã para podermos tomar café na copinha. Mas tudo era meio que na base da chantagem [...] Às vezes íamos ao banheiro para poder sentar um pouco e, se passasse um certo tempo, ela já ficava na espreita para ver se estávamos enrolando”, narra. O estudante conta que, além dele, outros oito funcionários do hospital que trabalhavam no mesmo turno desenvolveram problemas psicológicos como depressão e ansiedade.
Os impactos à saúde mental e física são sintomas que parecem comuns para pessoas que trabalham na escala de seis dias de trabalho e um dia de folga. Segundo o professor de pós-graduação em Segurança Psicológica, Diego Burger, esse formato é muito nocivo para a saúde e interfere no desempenho do trabalhador: “a jornada de seis dias tem impactos sérios para aumentar o Burnout e diminuir a produtividade”, alega. Além disso, o professor acredita que o brasileiro está mais atento à importância do tempo de descanso. Para ele, as pessoas estão percebendo que estão descansando menos, muito por não conseguir se desligar da rotina excessiva.
PEC no Congresso
No início do mês de novembro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) feita pela deputada federal Erika Hilton (PSOL) e enviada ao Congresso Nacional, pedindo o fim da escala 6x1 movimentou o debate público no Brasil. A iniciativa pela abolição da carga de trabalho é do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), do recém-eleito vereador carioca, Rick Azevedo (PSOL). O debate acalorado nas redes sociais pressionou os deputados de oposição a assinarem o documento, como requisito para a proposta poder tramitar inicialmente na Câmara dos Deputados. O texto d proposta inclui, entre outras regras: "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.”
Em entrevista à CNN, Erika Hilton afirmou: “Essa mudança vai ser gradual. O texto prevê um tempo, e esse tempo pode ser adaptado a depender das conversas que nós façamos com os setores”. A deputada acredita que o salário recebido vai ser outro ponto de debate da proposta: “Muitas vezes já é um salário quase que ridículo para se sobreviver com os preços como estão hoje”, conclui.
Quem é Rick Azevedo
Criador do Movimento VAT, o tocantinense Rick Azevedo mora no Rio há mais de 10 anos. Ele ficou conhecido nas redes sociais ao publicar vídeos para o TikTok fazendo um desabafo por conta de sua rotina de trabalho. Rick relatou a exaustão e os problemas psicológicos que teria desenvolvido enquanto trabalhava em escala 6x1. Nas eleições municipais deste ano, Rick foi eleito o vereador mais votado do PSOL na cidade do Rio de Janeiro, com 29.364 votos.
Indústrias contra a PEC
Um dos setores que aparecem contra a proposta do fim da escala 6x1 é o setor industrial. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) estima que a redução da jornada de trabalho possa gerar um impacto negativo de oito bilhões de reais no setor. Para o presidente da Federação, Flávio Rascoe – em entrevista ao portal Metrópoles –, a medida pode diminuir o consumo e afetar a economia do país: “Se você reduzir 30% do número de horas que as pessoas do Brasil inteiro trabalham, produtos e serviços vão faltar. Quem come vai comer menos, e quem consome roupa vai consumir menos roupa. A alternativa é transferir toda a produção para o importado”, analisa. No entanto, uma pesquisa realizada pelo Instituto inglês Autonomy, no ano de 2022, revelou que 92% das companhias decidiram manter a escala reduzida após aceitarem participar do experimento que implementou a semana de trabalho de quatro dias pelo período de seis meses.
Publicado por: Gabriela Feliciana
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