top of page

Onde estão os revolucionários negros brasileiros que resistiram durante a ditadura militar?

  • Maria Beatriz Nonato
  • 7 de jan.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 11 de jan.

Protesto do Movimento Negro Unificado (MNU) Foto: Jesus Carlos, 1978


A ditadura militar brasileira, que aconteceu de 1964 até 1985, atingiu a todos os grupos: privilegiados e marginalizados, ricos e pobres, negros, brancos e indígenas. Destruiu tanto famílias tradicionais, como a de Rubens Paiva, quanto aquelas menos convencionais. Reduziu a rótulos de comunistas, terroristas e bandidos os intelectuais, trabalhadores e idealistas que ousaram se opor ao sempre cafona “Deus, pátria e família” como ideal político. Por sua abrangência, violência e apoio, a ditadura desumanizou e apagou singularidades, dando, por vezes, a sensação de que a mesma história pode ser contada por inúmeras vozes, de realidades distintas. No entanto, algumas dessas vozes ecoam mais alto, enquanto outras permanecem mais abafadas. Algumas histórias são mais documentadas, levando-nos a indagar: onde estavam, então, as minorias sociais durante esse processo histórico?

A resistência política, para se consolidar como movimento, exige também uma base teórica. Por isso, os intelectuais da elite brasileira, que enfrentaram esse período, são soldados da memória, dignos de serem celebrados. É impossível conhecer a história de Rubens e Eunice Paiva sem se emocionar com sua inteligência, coragem e força política em um contexto tão desumanizante. É bonito testemunhar a resistência do intelecto em meio a tanta opressão e caretice. Esses heróis merecem filmes, séries e homenagens apoteóticas para que suas histórias jamais sejam esquecidas.


Mas é preciso lembrar: a revolução não mora apenas de frente para a praia.


Segundo a historiadora e mestranda em relações étnico-raciais Yasmin Iracema, a memória social do Brasil limita frequentemente o conceito de "subversivos" da ditadura militar a grupos específicos, como intelectuais brancos, comunistas ou artistas. No entanto, ela destaca que a subversão era um conceito muito mais amplo: “Ser gay era ser subversivo, você ser preto era ser subversivo, você ser pobre e favelado era subversivo.” Esse entendimento revela como a ditadura militar oprimia não apenas por posicionamentos políticos, mas também por identidades sociais marginalizadas. A organização do povo preto brasileiro se faz necessária desde muito antes e, durante a ditadura militar, acontece o estopim para a formação e o fortalecimento do MNU (Movimento Negro Unificado): ”Nesse período histórico, anos antes de 1964, os grandes intelectuais negros, como Abdias do Nascimento, Clóvis Moura, debatiam a insustentabilidade da democracia racial, conceito defendido por Gilberto Freyre. O mito da democracia racial, adotado pela política seguida pela ditadura civil-militar, diluiu esse momento de efervescência do pensamento negro. A formação do Movimento negro Unificado só vai se fortalecer em 1978, com o assassinato do jovem negro de 21 anos, Robson Silveira da Luz, que faleceu após não resistir à tortura.”


A organização dos movimentos negros foi fundamental na luta contra a ditadura militar, embora suas ações sejam frequentemente negligenciadas pelas narrativas hegemônicas. Yasmin nos lembra: “Desde os quilombos, zungus e terreiros, os povos negros no Brasil têm encontrado formas de sobrevivência e resistência estratégica, criando espaços de autonomia e articulação social nessas ‘brechas’ da sociedade.” Essa trajetória de resistência, que atravessa séculos, expõe como a luta negra nunca esteve dissociada dos processos mais amplos de contestação ao poder hegemônico.


Essa reflexão nos leva a pensar em figuras como Carlos Marighella, cuja trajetória é marcante, mas cuja origem e raça muitas vezes são apagadas das narrativas. Marighella, um dos maiores nomes da resistência ao regime militar, carrega essa ancestralidade, que é parte intrínseca de sua história. Ignorar sua negritude é uma tentativa de silenciar uma dimensão importante de sua identidade e da contribuição do povo negro à resistência brasileira. Sua relevância jamais poderá ser ofuscada, e resgatar essas histórias é reafirmar que a luta contra a opressão foi, e sempre será, plural. 


Entre os mortos na Guerrilha do Araguaia, que ocorreu entre 1967 e 1974, estavam figuras marcantes como Osvaldo Orlando da Costa, o “Osvaldão”, e Elenira Rezende de Sousa Nazaré, conhecida como Preta Fátima. Ambos desapareceram, e seus corpos jamais foram encontrados. Não tiveram direito a um velório digno ou à memória plena. Nos relatórios da Comissão da Verdade, são identificados 41 pensadores, militantes e intelectuais negros mortos pela ditadura, dos quais nove morreram no Araguaia. Esse cenário reforça a importância de reconhecer que a luta contra a ditadura foi tecida por uma união diversa, mas que exige atenção para evitar o apagamento de histórias muitas vezes tratadas como secundárias. Esses homens e mulheres negros que tombaram na resistência não são apenas vítimas; são protagonistas da história brasileira que merecem ser lembrados em toda sua grandeza.


Que as atrocidades cometidas contra o povo preto não sejam usadas como justificativa para sua invisibilização na narrativa histórica das revoluções contra a ditadura militar brasileira. Pelo contrário, sua presença deve ser celebrada como parte fundamental de uma resistência diversa, que enfrentou a barbárie em todas as suas formas e reafirmou a dignidade de lutar por um país mais justo.


Publicado por: Lucas Diniz

Posts Relacionados

Ver tudo

Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

bottom of page