O sossego e o barulho: os dois lados da Arnaldo Quintela
- Beatriz Serejo e Maria Eduarda Mariano
- 10 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de jul.
Eleita uma das ruas mais “cool” do mundo, seus visitantes têm trazido incômodos a moradores que cobram por mais respeito

Drinks coloridos, bares com fila na porta, multidões aglomeradas bebendo em pé e ambulantes vendendo brownies “mágicos”: esse é um retrato de uma sexta-feira à noite na rua Arnaldo Quintela. Localizada em Botafogo, no Rio de Janeiro, a Arnaldo Quintela foi eleita a oitava rua mais badalada do mundo em 2024 pela revista Time Out. A região se tornou um dos “points” mais famosos entre o público que gosta do casual despojado no final da semana, e de beber na rua com os amigos sem muita preocupação com lugares para se sentar. Apesar de ser a rua do momento, a Arnaldo Quintela não é ocupada apenas pela vida noturna, e tem sido alvo de embates entre moradores que prezam pelo sossego, visitantes que buscam lazer e comerciantes locais.
Nascido e criado no bairro de Botafogo, o estudante Pedro Paradela (22) mora na Rua Oliveira Fausto, perpendicular à Arnaldo Quintela, e acompanhou de perto o crescimento da fama da região. Pedro explica que a movimentação dos bares tem incentivado o surgimento de novos estabelecimentos nas ruas próximas à Arnaldo, como a Fernandes Guimarães e a Assis Bueno. O estudante relata que, uma das consequências da “fama” foi o aumento da circulação de pessoas, que tem sido responsável por diminuir a violência e a sensação de insegurança.
“Antigamente, minha rua era muito deserta e tinha assaltos recorrentes. Em 2022, chegaram a invadir o meu apartamento. Hoje em dia, escuto poucos relatos de situações como essa”, explica o estudante. Pedro, que mora em cima do "Fala bar", inaugurado em 2023, convive diariamente com o fluxo intenso de pessoas. "Da minha casa, eu escuto todo o barulho do bar. Escuto tudo. Mas confesso que não me incomoda", afirma o estudante, que se diz satisfeito em morar em um lugar badalado com bastante movimento.
No entanto, essa não é a mesma realidade de outros moradores do bairro. Regina Chiaradia, fundadora da Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (Amab), reside no bairro há 49 anos e aponta que muitos bares têm ocupado excessivamente as calçadas, prejudicando a passagem de pedestres. "Essa ocupação excessiva das calçadas se tornou um grande problema para os moradores vizinhos dos estabelecimentos, devido ao abuso de mesas que não deixam espaço para o morador passar.”
Outro ponto que, segundo Regina, incomoda a muitos moradores é o excesso de barulho. "Alguns estabelecimentos chegam a colocar música alta em horário de funcionamento que vai até a madrugada", afirma, destacando que essa situação interfere diretamente no direito ao sossego dos vizinhos. Em dezembro de 2020, por ocasião das medidas de segurança durante a pandemia, foi criada a Lei Complementar nº 226, de 23 de dezembro de 2020, regulamentando a ocupação das calçadas pelos bares, desde que houvesse um espaço de no mínimo 1,5m para a circulação dos moradores. Contudo, com o fim da pandemia, a fiscalização dessa regra não tem sido realizada, gerando os atuais incômodos pelo barulho na vizinhança.
A fundadora da Amab diz que os moradores não querem acabar com os bares, apenas desejam uma fiscalização adequada para que os responsáveis sejam punidos pelos excessos e desrespeitos.
Sobre a segurança e diminuição da violência, Regina diverge de Pedro e afirma que o fluxo de pessoas também têm problemas como assaltos e tráfico de drogas. "Temos muitas ocorrências policiais, exatamente, na área dos bares", pontua. A representante da Associação reforça que o direito ao lazer não se sobrepõe ao direito ao sossego.
Em uma tentativa de regulamentar a situação, o vereador Flávio Valle (PSD-RJ) propôs os projetos de lei n. 711/2025 e n. 492/2025, que reconhecem a Rua Arnaldo Quintela e seu entorno como patrimônio turístico e cultural da cidade, e estabelecem horários de funcionamento para os bares, sempre respeitando a Lei do Silêncio. O vereador afirma que tem recebido reclamações de moradores da região em relação ao barulho do movimento dos bares.
“Recebemos algumas manifestações legítimas de moradores que buscam preservar o sossego residencial. Por isso, temos mantido diálogo constante com comerciantes e órgãos fiscalizadores, buscando formas de garantir que as atividades noturnas ocorram com responsabilidade, segurança e respeito ao entorno”, declara o vereador.
A proposta de Flávio Valle para equilibrar o sossego e o lazer prevê que os estabelecimentos respeitem novos horários de funcionamento: de domingo a terça-feira, das 7h à 1h do dia seguinte; de quarta-feira a sábado, incluindo vésperas de feriados, das 7h às 2h. O objetivo dessa iniciativa seria propor os mesmos regulamentos aprovados para o Baixo Gávea. O decreto 17.282 proibiu o funcionamento dos bares e restaurantes do Baixo Gávea depois da 1h da manhã durante a semana.
Entretanto, a presidente da associação de moradores enfatiza que o grupo representante avalia como "impróprio" o projeto de lei de Valle, uma vez que os moradores não concordam com os horários propostos e não foram ouvidos pelos órgãos públicos.
Do lado dos comerciantes, em entrevista para o jornal O Globo, Daniella Martins, gerente de um dos bares da rua, conta que muitos estabelecimentos já respeitam o horário de funcionamento e propõe medidas para reeducação do público que frequenta a região. “Muitas vezes fechamos o bar e o pessoal fica até mais tarde na rua. Imagino que alguns desses ajustes façam as pessoas irem embora mais cedo”, relata a gerente.
Um dos motivos que levam a reclamações do barulho também é o movimento de pessoas após o fechamento dos bares. A moradora e presidente da Amab, Regina Chiaradia, relata que, mesmo com os bares fechados, as pessoas continuam nas ruas desrespeitando o direito ao sossego da vizinhança: “é muito bacana ficar bebendo e gritando em um bar, quando no final da madrugada a gente volta para a nossa casa para dormir tranquilamente. Alguém já pensou em quem tem que trabalhar ou estudar em casa sendo vizinho de um bar que não se preocupa com a vizinhança?”.
Saula Glovinsky, professora e pedagoga, mudou-se recentemente para o bairro e afirma que, apesar do barulho nunca a ter incomodado, as pessoas se excedem. “A questão maior não são os bares e, sim, as pessoas. Depois que os bares fecham, as pessoas se mantêm nas ruas e levam até caixas de som. Não é em função do bar, é em função da desordem pública”, relata a moradora.
E apesar das reclamações de barulho e problemas na vizinhança, Saula enfatiza que sempre se sente segura na Arnaldo Quintela. Sua preocupação é a falta de movimento que torna a rua deserta, principalmente de dia e às segundas-feiras.
A Arnaldo Quintela tem se consolidado como um espaço plural e vibrante, e segundo a assessoria do vereador Flávio Valle, com diálogo, boa vontade e presença efetiva do poder público, será plenamente possível construir soluções para os moradores de Botafogo que respeitem os interesses de todos.
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