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O metanol vale o risco?

  • Víctor Affonso
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura

Ingestão excessiva de bebidas alcoólicas acende o alerta sobre a saúde pública em um período de contaminação, mas que vai além dele



Metanol traz à tona a dependência e o abuso do álcool por parte dos brasileiros. Foto: Agência Brasil
Metanol traz à tona a dependência e o abuso do álcool por parte dos brasileiros. Foto: Agência Brasil

O consumo de bebida alcoólica tem se tornado cada vez mais frequente no Brasil. Em 2023, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) publicou uma pesquisa domiciliar produzida pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) sobre o padrão de consumo alcoólico e suas características sociodemográficas no país. O estudo, que contava tanto com homens, quanto com mulheres das classes A, B, C, DE, revelou que, dos quase 2000 entrevistados, 44% consumiam álcool, seja de forma abusiva, seja moderada. Esses dados podem parecer baixos quando inseridos dentro de um sistema no qual a bebida faz parte da rotina de muitos brasileiros, mas seus danos são altos e revelam a possibilidade destrutiva dentro da população, principalmente quando consumido em excesso.


Nos últimos três meses, a intoxicação por metanol atingiu o país de maneira rápida e heterogênea. Embora a maioria dos casos tenha ocorrido em São Paulo, internações e mortes já foram registradas em outros estados do Brasil, como Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul, segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Em tempos de crise por contaminação do álcool produzido para consumo, principalmente por meio de destilados, e tempos de crise por “contaminação humana”, sobretudo por causa do vício, é possível que um usuário prefira “passar para a cerveja” ou correr esses riscos a enfrentar a possibilidade de não consumir bebidas alcoólicas. 


Surge então a necessidade de tentar entender quais elementos estão ligados ao consumo do álcool e suas potenciais consequências negativas. Nesse contexto, a bebida como estimulante social dos jovens, associada a características regionais e socioeconômicas do país, surge como possível agravante desse cenário, marcado muitas vezes por uma necessidade implícita de dependência. 

 

Em um primeiro momento, é importante ressaltar o contato prematuro dos menores de idade com as bebidas alcoólicas, que influenciam diretamente o início de suas vidas adultas. De acordo com o estudo divulgado pelo Cisa,  os jovens (18-24 anos) e adultos jovens (25-34 anos) são os que apresentam menor nível de abstenção e maior frequência de consumo, uma vez por semana ou a cada 15 dias (25% e 23%, respectivamente). No final da adolescência e no início da vida adulta, é muito comum ver os jovens abusando de bebidas com alto teor alcoólico, principalmente destilados. Muitas dessas situações estão relacionadas à capacidade de interagir mais livremente com ciclos sociais a partir do efeito proporcionado pelos componentes químicos. O estimulante facilitaria as relações em períodos de grande provação social, como os últimos anos da menoridade, e período de novos desafios e novas amizades, como os anos que marcam o começo da vida adulta. 


Contudo, esses pontos podem ser negativos justamente quando relacionados à idade, já que o senso de responsabilidade e maturidade ainda está em formação, no caso dos mais novos, ou pode ter sido impactado negativamente pelo abuso de álcool, no caso de adultos. A faixa etária de 25-34 anos ser a que concentra a maior porcentagem de consumidores moderados e abusivos pode representar o perigo vinculado a danos futuros na saúde individual, caso esses hábitos não diminuam, e possíveis danos coletivos, como acidentes no trânsito ao dirigir embriagado. A fiscalização da venda de bebidas para menores de idade se torna uma possibilidade de melhoria, já que poderia evitar consequências não só para aquela faixa etária, mas também para as fases seguintes.


Em segundo plano, vale mencionar dois fatores demográficos que influenciam  indiretamente o consumo de álcool da população: a classe social e os fatores regionais. De acordo com os dados da pesquisa mencionada, a maioria dos consumidores, tanto moderados, quanto abusivos, localizam-se no Sudeste. Esse fato pode ser interpretado primeiramente pela ótica cultural. Carnaval no Rio de Janeiro e festivais de música nessa região, por exemplo, podem ser responsáveis por inflar as estatísticas, já que bebidas alcoólicas, como cervejas e drinks, transformam-se em sinônimos de curtição para muitas pessoas. Por outro lado, em cidades reconhecidas pela dinâmica trabalhista, como São Paulo, beber pode se tornar o escape de uma rotina conturbada. 


Vale destacar também o contexto social que envolve esse consumo no país. O estudo revelou que a classe C, cuja renda varia entre um e cinco salários mínimos, concentra a maior parte dos consumidores de álcool. A capacidade financeira deste grupo, que não é “tão superior” para o sistema capitalista brasileiro, pode ainda encontrar na bebida uma solução para sobreviver em um cotidiano de contas e dívidas.


Por fim, é necessário destacar que, embora esses dois fatores estejam ligados ao consumo e à possibilidade do abuso de álcool no país, eles não são a causa direta para o problema. Isso seria tirar a responsabilidade do indivíduo. Mas, mais do que isso, seria tirar a responsabilidade de problemas estruturais, como a já mencionada falta de fiscalização relacionada à venda para menores de idade, o alto número de anúncios publicitários e a falta de orientação relacionada ao tema. Ainda vale ressaltar a necessidade de condições  sociopolíticas mais igualitárias, visto que culpar apenas a população pela tomada de condutas que se iniciam a partir da falta de suporte seria tirar a responsabilidade do papel do Estado.


Publicado por: Geovana Costa




Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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