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O “derrame de santinhos” nas eleições brasileiras

  • Giovanna Guitarrari e Nicoly Albuquerque
  • 2 de dez. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de dez. de 2024

A propaganda eleitoral é marcada pela distribuição de santinhos, que polui as ruas, sobretudo, em dias de eleição


Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado


Durante toda campanha eleitoral brasileira, a distribuição de santinhos é uma prática comum exercida pelos candidatos em suas propagandas. Porém, os dias de eleição ficaram marcados pelos “tapetes de papel” nas portas das zonas eleitorais de todo o Brasil, derrame que pode configurar crime previsto na Lei das Eleições. 


Os santinhos, assim chamados por sua origem religiosa com o objetivo de propagar a fé católica, são materiais gráficos utilizados na divulgação de candidatos durante a campanha eleitoral. Por seu bom custo-benefício, este se tornou um dos materiais mais usados nas propagandas políticas, alcançando um alto número de eleitores. No entanto, nos dias de eleição, ocorrem com frequência os derrames dos santinhos, também chamados de ‘voo da madrugada’. Carros de cabos eleitorais saem pela madrugada de sábado para domingo e despejam os santinhos nas entradas das zonas eleitorais, formando um verdadeiro tapete de papéis. 


Boca de urna

O derramamento de santinhos em locais de votação configura o crime eleitoral de divulgação de propaganda no dia da eleição, chamado “boca de urna”. Essa regra é prevista no parágrafo 5° do artigo 39 da Lei nº 9.504/1997, a Lei das Eleições. Após as 22h da véspera das eleições, não é permitida a distribuição de material gráfico, assim como  a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos. Segundo Silvana Batini, procuradora Regional da República e professora de Direito Eleitoral da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, é nomeado “boca de urna” o assédio ao eleitor no dia da votação, no seu caminho até a urna, sua seção. “Esse derrame de santinhos, no local de votação ou nas vias próximas, ainda que realizado na véspera de eleição, configura propaganda irregular e vai sujeitar o infrator a uma multa.”


A punição prevista em lei para aquele que realizar qualquer atividade de aliciamento de eleitores é a detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a 15 mil UFIR –  Unidade Fiscal de Referência –, que é um indexador federal utilizado para atualização monetária de tributos e de valores expressos relativos a multas e penalidades de qualquer natureza. Silvana também ressalta a dificuldade de punir criminalmente as pessoas responsáveis pelo derrame de santinhos: “essa distribuição normalmente é feita na madrugada, o que muitas vezes impossibilita a punição criminal, porque você não consegue pegar as pessoas. Então você fica com aquela punição não criminal, que é simplesmente a aplicação de multa à candidatura que se beneficia”.


O construtor civil Pablo Américo, morador da Zona Norte carioca há 40 anos, relatou que já presenciou um desses derrames de papéis: “Na madrugada antes da eleição desse ano, eu vi um carro passando rapidamente e jogando papéis na calçada. Aquilo ali não era distribuição de santinhos, era gente de má-fé espalhando os papéis em lotes nas ruas. É um trabalho sujo, foi o primeiro ano que eu presenciei isso, mas imagino que essa seja a causa das calçadas cheias de papéis. Eles jogam caixas inteiras no chão sem nenhuma pena de quem vai catar aquilo ali”.


Pablo diz considerar um trabalho sujo e falta de respeito com os garis que terão de limpar o local prejudicado, e completa: “É muita falta de consciência tanto de quem distribui, quanto do candidato que apoia essa postura. Eu entendo que um candidato precisa de publicidade pra conseguir votos, mas daí pra sujar as ruas inteiras é um absurdo. O candidato que faz isso nem merece o nosso voto.” 


Recolhimento dos papéis 

A limpeza após as eleições no Rio de Janeiro fica a cargo da Comlurb – Companhia Municipal de Limpeza Urbana. Segundo a empresa, o recolhimento dos papéis ocorre logo após a votação nos pontos de maiores aglomerações e nas imediações de todas as 49 zonas eleitorais da cidade. Nas Eleições 2024, a companhia removeu 167 toneladas de resíduos de material de propaganda eleitoral. Os impactos dessa propaganda irregular não afetam apenas a política, mas também o meio ambiente. Pensando em uma maior sustentabilidade, está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei n° 2276, de 2019, que torna obrigatória a produção impressa de propaganda eleitoral a partir de material biodegradável.


Como denunciar 

A Justiça Eleitoral tem o papel de organizar e fiscalizar as eleições. Nesse sentido, os Tribunais Regionais Eleitorais possuem equipes de fiscalização de crimes eleitorais. Silvana destaca também o papel do cidadão perante infrações eleitorais: “existem canais nos quais os cidadãos possam denunciar, tanto para a Justiça Eleitoral, quanto para o Ministério Público Eleitoral. A denúncia faz com que as autuações relativas às propagandas sejam encaminhadas e virem proposições de ações e multas”. Buscando uma maior fiscalização, a Justiça Eleitoral desenvolveu o “Pardal”, um sistema que possibilita ao cidadão fazer denúncias de infrações eleitorais e que está disponível na web ou para download em lojas virtuais (iOS e Android). A partir desses canais de denúncia, é possível fortalecer os princípios da participação popular e transparência nas eleições brasileiras.


Publicado por Geovana Pessôa



Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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