Laboratório do samba na Mangueira
- Guilherme Leôncio
- há 3 dias
- 4 min de leitura
Museu do Samba conta história do ritmo carioca e está a poucos quilômetros
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)]

O que é o samba? Se é um enredo, onde se passa? Quais são seus personagens? As respostas, ainda desconhecidas por muitos que vivem no entorno, se encontram com bastante destaque no Museu do Samba. O local, que fica a aproximadamente dois quilômetros do campus Maracanã da Uerj, é pouco conhecido pela comunidade, mas com certeza vale a pena apresentarem-se um ao outro.
Localizado no pé do Morro da Mangueira, o museu é considerado uma das maiores referências históricas não somente sobre o samba, mas também sobre a vida de pessoas pretas no Rio de Janeiro durante todo o século passado. A exposição, que inicialmente surgiu como um pequeno projeto, acabou transformando-se em um conjunto de vivências que tem muito a nos dizer. Quando estive lá, a curadora Talita Ferreira de Souza me explicou que o museu, que é uma organização não governamental, começou como um breve acervo de bens do Cartola. “O Centro Cultural Cartola foi uma iniciativa dos netos do artista para perpetuar a sua memória”, destacou.
O cantor e compositor, que fez grande parte do seu nome no bairro da Mangueira, ainda vivo era tido como uma celebridade, um tesouro do bairro – apesar de ter nascido no Catete e crescido em Laranjeiras. A ideia desse espaço é manter sua memória sempre próxima aos moradores da região. Com o tempo, vários sambistas, carnavalescos e compositores começaram a doar as suas próprias memórias para enriquecer a coleção. A partir desse crescimento, o objetivo do Centro Cultural Cartola foi preservar a história do cantor para propor a narrativa do samba e do povo preto, contada por essas mesmas pessoas. Surge, então, o Museu do Samba.
Logo de início, eu me arrepiei. O começo da exposição remonta ao ano de 1902. O Rio de Janeiro ainda era a capital do país, e aqui surgia uma coisa muito improvável. O samba nasceu ali no Centro, no bairro hoje conhecido como Cidade Nova. Dentro dos terreiros, nasceu um ritmo, que também era uma reza, uma paixão, que por sua vez também era uma lamentação. A primeira parte da obra fala sobre como as primeiras reuniões se tornaram festas de samba, citando referências como a Pequena África e a influência da grande Tia Ciata no samba de terreiro.
Localizada entre a Zona Portuária e os bairros da Gamboa e do Santo Cristo, a Pequena África é uma região do Rio de Janeiro nomeada pelo compositor Heitor dos Prazeres, devido à grande quantidade de pretos ex-escravizados que ali viviam.
Em seguida, pude conhecer o processo de popularização desse gênero musical, que ficou muito famoso graças à difusão do telefone e do rádio durante os anos de 1930. Foi muito bonito ver representada em fotos, partituras e peças de fantasias a construção das grandes escolas de samba que existem e resistem até os dias atuais. Fala-se também das dificuldades dos sambistas no momento em que ainda eram tidos como “vagabundos de viola” e a maneira como precisavam estar sempre bem arrumados para não serem alvos de preconceito.
A visitação à nossa ancestralidade é uma coisa muito delicada e especial. O espaço, além de contar com grandes exposições artísticas que abordam a cultura popular do Rio de Janeiro, também é laboratório de pesquisa para graduandos e pós-graduandos de Letras, História, Artes, Comunicação e Ciências Sociais. É também local reconhecido como Centro de Referência de Documentação e Pesquisa do samba. O local busca promover a valorização e difusão do samba, o desenvolvimento humano e social de indivíduos em vulnerabilidade social por meio de atividades culturais e educação patrimonial. Devido à efemeridade dos artefatos carnavalescos, o Museu do Samba presta um serviço à sociedade de restauração e conservação das memórias dessa festividade.
Durante a pandemia de Covid-19, o museu, assim como a maioria dos estabelecimentos, precisou fechar as portas por medidas de segurança sanitária. “Foi bem difícil, a maioria dos funcionários não conseguiu continuar vindo, então trabalhamos um bom tempo com quatro funcionários, e mesmo assim atendemos a pesquisadores que precisavam visitar o museu para fazer artigos porque o museu é um centro de documentação e pesquisa do samba”, comenta Talita.
A museologia assume um papel estratégico para a compreensão do território em que vivemos, não apenas como guardiã de objetos, mas como intérprete das memórias, identidades e dinâmicas sociais que moldaram um lugar. Estudos brasileiros indicam que os museus entendem hoje “o território” como mais do que espaço geográfico, ele se configura como campo de disputa simbólica e cultural. Por exemplo, o artigo “Os museus de território enquanto estratégia de mobilização do patrimônio ambiental e cultural” aponta que “o uso da memória e do patrimônio são importantes estratégias para refletirmos sobre relações em diversas escalas”.
Em geral, a museologia brasileira não se limita à conservação do passado, ela assume um compromisso com o presente, com a educação e com a cidadania territorial. Ao incorporar novos formatos pedagógicos e dialogar com as comunidades locais, os museus ganham papel de espaços vivos de ensino, reflexão e pertencimento.
Felizmente, o laço do museu com a comunidade mangueirense foi retomado após as piores fases da pandemia. A equipe que passou por um processo de renovação, planeja se reconectar com o bairro através das escolas: “Na última semana nós fizemos uma contação de histórias para as crianças do colégio primário do Buraco Quente. E essa é a escola que temos a relação mais próxima, mas fora isso estamos sempre em contato com os alunos do Ciep 241 Nação Mangueirense, que participam do pré-vestibular Dona Zica. Esse pré-vestibular é feito pelo projeto Samba Educa aqui no museu”, finaliza Talita, que trabalha no local há mais de um ano.
Atualmente, ocorrem eventos artístico-culturais e oficinas no museu, como feijoadas, rodas de samba e reforço escolar para crianças matriculadas na rede municipal de ensino. Inclusive, o espaço é aberto gratuitamente aos moradores da comunidade da Mangueira, em qualquer dia da semana. O Museu do Samba fica na Rua Visconde de Niterói 1.296 — Mangueira. O funcionamento é de terça a sábado, das 10h às 17h, com valores de entrada de R$20 (inteira) e R$10 (meia). Nos fins de semana, a visitação é possível apenas mediante agendamento pelo site.
Publicado por Sara Pimentel
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