Falta de educação financeira nas escolas criou uma geração mais próxima do fracasso
- Lucas Apolinário
- 6 de jan.
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de jan.
Em 2024, as casas de aposta ganham mais protagonismo que as corretoras de investimentos
Homens e mulheres engravatados, monitores com gráficos complexos e cálculos complicados: essa é a imagem que muitos brasileiros criam em suas mentes quando escutam palavras como “investimento”, “Selic” ou “IPCA”. Para grande parte da população, esses termos são distantes e intimidadores, e há uma repulsa quase automática em relação a temas que poderiam ajudá-los a administrar melhor o dinheiro. Esse distanciamento é resultado de uma falha histórica nos programas de educação básica, que negligenciaram o ensino de finanças, em um debate que atravessa gerações.
Afinal, o que é educação financeira? Em suma, é a capacidade de administrar as finanças de forma inteligente. Trata-se de entender como ganhar, gastar, poupar e investir dinheiro de maneira equilibrada. É saber onde aplicar os recursos para que eles cresçam ao longo do tempo, como evitar o consumo impulsivo e, sobretudo, como planejar o futuro, que pode até demorar, mas chegará.
Brasil, um país endividado
Entre as vítimas desse despreparo, destacam-se os aposentados e pensionistas que frequentaram as escolas antes da década de 1980 e hoje lidam com limitações financeiras elevadas, dependendo exclusivamente dos recursos oferecidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Em outra ponta, trabalhadores economicamente ativos enfrentam endividamentos por não conseguirem ajustar seus gastos à sua realidade salarial.
Dados recentes ilustram a gravidade do cenário: a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), de outubro, revela que 76,9% dos entrevistados possuem dívidas a vencer. Paralelamente, um levantamento do Serasa indica que o número de inadimplentes no Brasil alcançou 72,6 milhões em setembro de 2024, representando um aumento de 1,1% em relação ao mesmo período de 2023, embora ainda abaixo do recorde de 73,4 milhões registrado em abril de 2024; número superior à população da França.
Esse levantamento confirma o impacto de uma formação escolar que negligencia a preparação dos seus alunos para lidar até mesmo com o básico das finanças pessoais. Cada vez mais pessoas consomem sem considerar sua capacidade de pagamento, vão parcelando, dividindo em 28 “suaves” prestações. Pessoas, em condição de necessidade, acreditam que o simples acesso ao crédito lhes dá liberdade para adquirir o que quiserem, a qualquer momento. Essa compulsividade por compra desencadeia outros diversos problemas, como endividamento crônico, prejuízos à saúde mental, e a repetição de ciclos de pobreza e exclusão.
Casas de aposta: os riscos envolvidos
As casas de apostas, conhecidas também como “bets” – termo que deriva do inglês e significa aposta –, estão se infiltrando nas esferas do entretenimento, das mídias e do esporte. Atualmente, é quase impossível ligar a TV sem se deparar com grandes figurões, como jogadores de futebol de renome ou até mesmo narradores esportivos consagrados, atuando como garotos-propaganda dessas empresas.
Essa associação de figuras públicas com marcas de apostas busca construir uma imagem de credibilidade e segurança, incentivando o público a arriscar seu dinheiro em um mercado volátil. Com rostos conhecidos, as empresas reforçam a ideia de que o jogo é não apenas legítimo, mas também acessível. A facilidade com que essas plataformas atraem novos apostadores – muitas vezes adolescentes – reforça a necessidade urgente de uma conscientização sobre o tema, além de políticas públicas que priorizem a educação financeira desde cedo.
Um breve relato
A influência negativa das apostas na vida dos brasileiros pode ser ilustrada por histórias que frequentemente terminam em tragédia. Um exemplo ainda sem resposta é o de Vanessa Lima, moradora de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, que há três meses convive com a ausência de seu noivo, Wallace Couto, enquanto aguarda o nascimento do primeiro filho com ele.
Em entrevista, Vanessa descreve um relacionamento turbulento, agravado pelo vício de Wallace em apostas. O motoboy acumulou dívidas de mais de 30 mil reais, contraídas em bancos, com familiares e até mesmo em esquemas de agiotagem. Na manhã de segunda-feira, 2 de setembro, ele preparou o café da manhã para Vanessa, lavou a louça e disse que sairia para colocar o lixo na rua. Desde então, não foi mais visto.
A única pista deixada por Wallace foi uma carta escrita à mão, com quatro páginas repletas de pedidos de desculpas e desabafos. “Vanessa, quero pedir perdão pelas mentiras, por ter destruído seus sonhos, por ter frustrado suas expectativas e por fazer você se sentir a pior pessoa do mundo”, escreveu ele.
Ao longo do texto, as rasuras e frases desconexas revelam a confusão de ideias que vivia o motoboy. Em um dos trechos, Wallace assume o suposto motivo de ter sumido. “Começamos nossa história tão bem e tínhamos um futuro lindo. Até que essa droga de jogo entrou na minha vida. O que começou como uma brincadeira se tornou um vício destruidor e incontrolável.”
A pedido da personagem entrevistada, a identidade da família foi preservada e os nomes utilizados nesta reportagem são fictícios.
Essa história apresenta as consequências do vício em apostas, reforçando a urgência de um olhar crítico sobre saúde financeira. Porém, isso só seria possível se pessoas tivessem, desde cedo, acesso a informações que as permitissem ter escolhas mais conscientes. Para se ter ideia, os 30 mil reais acumulados em dívidas por Wallace, se tivessem sido investidos em uma aplicação conservadora com rendimento anual de 12%, poderiam gerar um retorno de aproximadamente R$7.397,17 em dois anos, mesmo sem aportes mensais. Em quatro anos parado no investimento, o valor se multiplicaria até alcançar um total de R$48.054,20.

A cruel realidade das escolas
Somente em 2010, com a criação da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) por meio de um decreto presidencial, o tema começou a ser inserido no contexto escolar. Uma década depois, a Lei n. 14.181/2020 incluiu a educação financeira na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Em julho de 2021, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Sebrae, criou o Programa Educação Financeira nas Escolas, que visa capacitar 500 mil professores em educação financeira em um período de três anos. A informação foi publicada em agosto de 2022 no site oficial do Governo Federal. Três anos e cinco meses depois, a aplicação prática ainda enfrenta problemas, com professores que nem mesmo foram incluídos no programa e a integração efetiva com outros componentes curriculares.
A falta desse conhecimento não apenas limita no individual, mas também amplia desigualdades, reforça ciclos de pobreza e deixa os brasileiros endividados sem ao menos conhecimento das possibilidades de ascenderem economicamente.
Publicado por: Júlia Scárdua