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Copa do Mundo de Clubes: os desafios de uma cobertura internacional

  • Maurício Luz e Tiago Mendes
  • 17 de jul.
  • 8 min de leitura

Jornalistas brasileiros relatam a experiência de cobrir o evento da Fifa nos Estados Unidos


Cobrir o Mundial de Clubes nos Estados Unidos tem sido uma experiência intensa para os jornalistas brasileiros. Com quatro clubes do país na disputa — Flamengo, Fluminense, Botafogo e Palmeiras —, a competição ganhou atenção no Brasil, mas esbarra no desinteresse do público local. A rotina da imprensa envolve longos deslocamentos, diferenças culturais marcantes e um clima instável que varia entre chuva torrencial e calor intenso. Em meio a isso, os profissionais do Lance! lidam com prazos apertados, mudanças constantes de cidade e a dificuldade de transmitir a importância do torneio em um ambiente onde o futebol não é prioridade.


A experiência, no entanto, vai além das dificuldades logísticas. Trabalhar lado a lado com colegas de diferentes partes do mundo oferece aprendizados sobre novas formas de fazer jornalismo esportivo. A comparação com uma Copa do Mundo é inevitável, tanto pelo porte do evento quanto pela diversidade de contextos. Para muitos repórteres do Lance!, essa cobertura representa não só um desafio profissional, mas também uma oportunidade de crescimento pessoal e troca cultural. Além disso, é uma chance de acompanhar de perto campanhas históricas de clubes brasileiros em um torneio ainda novo no calendário internacional.


Rotina sem rotina: a dinâmica da cobertura internacional


A repórter Sharon Prais, responsável por acompanhar o Fluminense — clube brasileiro que foi mais longe na competição —, relata que o maior desafio foi sair do formato tradicional da redação carioca, onde o trabalho costuma acontecer sentado, com saídas apenas para jogos, coletivas ou eventos especiais. “Aqui foi essa virada de chave de ter que estar nos lugares”, explicou. A rotina passou a incluir acompanhamento das torcidas, observação da atmosfera nas cidades e presença constante nos arredores dos clubes. 


O Tricolor das Laranjeiras fez uma campanha histórica. Classificado em segundo lugar no Grupo F, que contava com Borussia Dortmund, Ulsan Hyundai e Mamelodi Sundowns, o Flu avançou às fases finais com empates e uma vitória decisiva. Nos mata-matas, enfrentou adversários pesados como a Inter de Milão e o Al-Hilal, superando ambos antes de ser eliminado pelo Chelsea na semifinal. “Foi minha primeira cobertura grande. Eu estava há pouco tempo nessa função e precisei aprender no improviso como usar o apoio da retaguarda”, contou Sharon. Contudo, a jornalista reporta que o apoio dos editores e o acúmulo de experiência ao longo dos dias a ajudou a ganhar ritmo. “Acho que isso me fortaleceu, tanto profissional quanto pessoalmente.”


Além do desempenho marcante do Fluminense, a trajetória de Sharon também foi simbólica por ser a única mulher da equipe de setoristas enviados pelo Lance! aos Estados Unidos. A atuação da repórter reforça o papel feminino em espaços que ainda carecem de maior representatividade, especialmente em coberturas esportivas internacionais. “Eu me senti muito acolhida, mas também entendi que precisava me afirmar em muitos momentos. Só que isso também faz parte do processo”, disse.


Já o jornalista Lucas Bayer, que cobria o Flamengo, destacou a ausência de rotina como o maior obstáculo. “Você trabalha da hora que acorda até a hora que vai dormir. E tem que lidar com o cansaço, tem que superar”, afirmou. Segundo ele, a cobertura do Mundial impôs um ritmo novo, em que se perde a referência do tempo comum da redação e se vive quase em função do jogo. “O grande aprendizado é também observar como colegas de outros países encaram o jornalismo e o futebol. A gente absorve muito”, comentou.


Lucas Bayer, repórter do Lance! e setorista do Flamengo no Lumen Field, nos Estados Unidos (Foto: acervo pessoal)
Lucas Bayer, repórter do Lance! e setorista do Flamengo no Lumen Field, nos Estados Unidos (Foto: acervo pessoal)

O Flamengo teve a melhor campanha na fase de grupos entre os brasileiros. Invicto na primeira etapa da competição, a equipe de Filipe Luís teve grandes atuações, incluindo uma grande vitória sobre o Chelsea, gigante da Inglaterra. Além disso, venceu o Espérance Tunis e empatou com o Los Angeles FC, garantindo o primeiro lugar no difícil grupo. No mata-mata, o time caiu nas oitavas diante do Bayern de Munique, em um duelo equilibrado. Lucas também ressaltou a diferença de fazer jornalismo em um país em que o futebol não é o centro da cultura esportiva. “Se não fossem os torcedores brasileiros, que moram aqui ou viajaram, não teria engajamento algum. A população local não liga para futebol, e isso é um grande desafio na hora de comunicar a importância do evento”.


Bayer, entre os setoristas do Lance!, é o segundo mais novo, atrás de Sharon. Ele fez viagens internacionais para cobrir o Flamengo na América do Sul, mas o Mundial de Clubes foi a primeira cobertura em um país tão distante e com tamanha diversidade cultural. “Foi um divisor de águas. Acho que voltei outro profissional”, declarou.


Copa do Mundo de Clubes como um rascunho para a Copa do Mundo de países


Com mais experiência em coberturas internacionais, o repórter Márcio Dolzan — que acompanhou o Botafogo, atual campeão da Libertadores e do Brasileirão — trouxe comparações detalhadas com outros eventos da Fifa. Em Seattle, por exemplo, o Mundial dividiu espaço com um jogo de beisebol, com torcidas circulando lado a lado — algo impensável em eventos como a Copa do Mundo, que costuma blindar o entorno dos estádios. “Foi um torneio realizado meio no improviso, mas que acabou funcionando”, avaliou.


O Botafogo caiu no chamado “grupo da morte”, com PSG, Atlético de Madrid e Seattle Sounders. Mesmo assim, superou o time estadunidense e o Paris, campeão da Champions League, com uma atuação histórica. Foi eliminado pelo rival Palmeiras nas oitavas, mas deixou boa impressão. Dolzan destacou que até os padrões de cobertura da imprensa estavam mais frouxos: filmagens na zona mista foram liberadas, e credenciais permitiam mais mobilidade. “A Fifa quis divulgar. Foi uma competição cercada de dúvidas e críticas, então parece que abriram exceções para atrair mais visibilidade”, afirmou.


Na avaliação do repórter, a ocupação dos estádios foi baixa, com exceção dos jogos do Real Madrid, e os ingressos tiveram descontos de até 90%. Ele também alertou para problemas operacionais. Voluntários perdidos no primeiro dia de jogo, gramado improvisado no Lumen Field — uma camada de grama natural sobre o sintético — e falhas de planejamento deram o tom. “Foi um preparatório para a Copa do Mundo, mas feito às pressas”, concluiu.


Dolzan valorizou o esforço do Lance!: “A cobertura foi maior do que a do UOL, maior que a do Estadão. A Folha nem mandou gente. Isso tem que ser reconhecido”. Ele ainda fez um alerta sobre o futuro: “Se o torneio virar tradição, esses privilégios vão acabar. Então é importante aproveitar enquanto ainda existe esse espaço para ousar”.


Em meio à rotina intensa e aos improvisos dos bastidores, Dolzan destacou que o papel do jornalista em coberturas internacionais vai além do relato factual. “É também contar uma história de bastidores, entender o que o torcedor no Brasil quer saber e como traduzir um ambiente estrangeiro para o nosso público. Isso exige olhar sensível, olhar apurado”.


Estar tão longe não é de todo modo ruim


Para o jornalista Vitor Palhares, responsável pela cobertura do Palmeiras e único repórter paulista na equipe do Lance!, a autonomia foi um dos pontos altos. “Tinha sempre esse tesão de lidar com um horizonte novo. Pensava: ‘Cara, tem várias coisas para desbloquear — e depende só de mim’”.


O Palmeiras fez uma campanha sólida: empatou com o Porto, venceu o Al-Ahly e perdeu para o Inter Miami de Lionel Messi, passando em segundo no grupo A. Superou o Botafogo nas oitavas, mas caiu nas quartas para o Chelsea. Para Palhares, a mudança de ambiente foi fundamental para repensar sua própria prática jornalística. “Lá fora, comecei a entender melhor o que precisa ser entregue com urgência e o que pode ser mais bem trabalhado. Isso abriu outras possibilidades na minha cabeça”.


Vendo o jornalismo de outros países, ele começou a questionar formatos engessados do Brasil. “Aqui, a gente tem um ciclo predefinido: nota, ambiente, escalação, relato, zona mista e coletiva. Lá, comecei a me perguntar: por que faço assim? Para quem estou fazendo? E como posso fazer diferente?”.


Esses momentos de observação e reflexão, segundo Vitor, contribuíram para desenvolver novas ideias e avaliar o que ainda faz sentido no contexto atual. “A gente tenta manter a escrita viva num mundo cada vez mais tiktokizado”, refletiu. “Ver o jornalismo 360 em ação me fez repensar tudo: conteúdo, formato, relevância”.


Palhares também compartilhou uma reflexão sobre o impacto pessoal da cobertura. “Tive que tomar todas as decisões sozinho, e isso me fortaleceu. Mas também me fez questionar muito: estou fazendo o certo? Poderia ter escolhido diferente?” Essa tensão constante entre decisão e dúvida, segundo ele, é o que define o amadurecimento do repórter em campo.


Logística, cultura e adaptação: o tripé da cobertura


A distância entre treinos, coletivas e hospedagens foi um desafio citado por todos os profissionais. Com poucos jornalistas por clube, era comum que um mesmo repórter precisasse cobrir diferentes frentes de forma simultânea. Dolzan lembrou que era preciso estar atento à programação de dois locais diferentes no mesmo dia — algo que, em situações com equipe reduzida, exigia estratégia e sacrifício pessoal.


Palhares ressaltou que estar em um país com idioma e cultura mais familiar ajudou. “Não foi fácil, mas tudo teve menos dificuldade. Tudo é mais ocidentalizado”. Ainda assim, relatou desafios de comunicação e improviso, inclusive com equipamentos. “Tive um problema grave com o computador dentro do estádio. No Brasil, a gente sabe o plano B. Lá, você fica à mercê.”


O clima também foi um ponto de atenção. O calor intenso e as chuvas repentinas dificultaram as transmissões e deslocamentos. “Às vezes, só para fazer uma entrada, você tinha que cruzar a cidade inteira, lidar com clima instável e ainda tentar encontrar uma imagem boa em um lugar onde o futebol não mobiliza ninguém”, comentou Bayer.


Preparação do Flamengo no Mundial de Clubes, nos Estados Unidos (Foto: Lucas Bayer)
Preparação do Flamengo no Mundial de Clubes, nos Estados Unidos (Foto: Lucas Bayer)

Além disso, as licenças de filmagem, conectividade e alimentação também foram apontadas como fontes de estresse. “Você precisa prever onde vai conseguir editar, onde vai conseguir comer, onde vai conseguir carregar o celular. Parece banal, mas com o tempo corrido, faz toda a diferença”, explicou Palhares.


Sharon Prais, por sua vez, destacou os impactos dessa experiência intensa e a necessidade de conciliar presenciar os fatos e de fato produzir as matérias para o site: “Você tem que ver como a torcida está se concentrando, como faz a festa, como a cidade está recebendo essas pessoas… Isso foi difícil de conciliar com a rotina de sentar para escrever”, relatou a repórter. 


Repórter Sharon em frente ao Bank of America Stadium (Foto: acervo pessoal)
Repórter Sharon em frente ao Bank of America Stadium (Foto: acervo pessoal)

Em muitos momentos, a responsável por contar a trajetória tricolor no Mundial de Clubes  buscou estreitar laços com o Fluminense, chegando a ficar diariamente no saguão do hotel do time para criar reconhecimento e proximidade com os atletas e membros da delegação. Esse esforço extra, segundo ela, foi fundamental para conseguir apurações mais próximas e exclusivas ao longo da competição. 


Já Márcio Dolzan, jornalista mais experiente entre os enviados do Lance! aos Estados Unidos, sugeriu que, em futuras coberturas internacionais, a presença de um coordenador de campo poderia ser essencial. “Um gestor com vivência de reportagem no exterior ajudaria a entender melhor as limitações e mediar expectativas com a redação no Brasil. Isso reduz ruído e melhora a entrega”.


Experiência engrandecedora, tanto pela competição, quanto pela cobertura


Apesar das dificuldades, a experiência nos Estados Unidos foi, para todos os jornalistas do Lance!, uma oportunidade rara. Sharon Prais resume como uma fase de crescimento: “Foi um período de aprendizado pessoal e profissional. Estar perto do time, da torcida, dos colegas, fez tudo valer a pena”. Ela também acredita que essa vivência deixou um legado: “Hoje eu consigo pensar diferente sobre como produzir jornalismo, sobre como construir fontes, sobre como estar presente sem ser invasiva”.


Lucas Bayer reforça que o aprendizado vai além das pautas: “Você passa a entender como a cultura esportiva local influencia o seu trabalho. E isso muda tudo”.


Vitor Palhares conclui com uma reflexão sobre o próprio papel como repórter: “A maior diferença foi perceber que, lá fora, você se posiciona melhor sobre o que precisa entregar e por quê. Isso me fez rever tudo. Por que eu entrego desse jeito? O que posso transformar? E o que ainda preciso aprender?”.


Márcio Dolzan resume com a voz da experiência: “Uma das coisas legais de ser repórter é enfrentar perrengues e, no fim do dia, poder dizer: ‘Hoje eu dormi três horas, mas entreguei o trabalho’. Esse é o jornalismo que vale a pena. E que se transforma, mesmo sob pressão, em algo maior”.

Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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