Condenação simbólica, impunidade real: a descrença popular no sistema judicial brasileiro
- Sofia Molinaro
- 22 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de nov.

Sessão na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 11 de setembro de 2025, pela primeira vez na história, um ex-presidente e militares de alta patente foram condenados por crime de tentativa de golpe de Estado. Jair Bolsonaro deve encarar uma pena de 27 anos e três meses por golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A condenação, apesar de histórica, evidencia um longo histórico de impunidade no sistema judiciário brasileiro que leva o povo brasileiro a desacreditar na justiça e perder a esperança de que dias melhores estão por vir.
O único voto divergente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, responsável por julgar o caso de Jair Bolsonaro, foi o de Luiz Fux. O ministro votou pela absolvição de cinco dos sete réus, condenando apenas Mauro Cid e Walter Braga Netto pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Ainda defendeu a anulação do processo, ao julgar a incapacidade do júri de analisar o caso. Seus votos contraditórios alegraram os núcleos bolsonaristas, mas reforçam a desigualdade do julgamento de crimes de autoridades políticas.
Alguns dias antes, Fux recusou recursos de habeas corpus de um homem acusado de roubar cinco desodorantes por causa de antecedentes criminais do réu. Independentemente dos outros crimes cometidos por ele, a decisão é, no mínimo, hipócrita. Livrar a culpa de um ex-presidente com trama golpista e um histórico incriminador para, pelo mesmo motivo, condenar um cidadão comum é absurdo, considerando as acusações. Se fôssemos seguir sua lógica, Bolsonaro deveria ser penalizado não só pela tentativa de golpe, mas por inúmeros crimes, como incitação de violência e até mesmo insubordinação contra o Exército brasileiro, do qual foi afastado por planejar um motim..
Como acreditar em uma justiça desigual e injusta, que pune crimes leves como furto simples tão severamente, mas não culpabiliza autoridades políticas por crimes que põem em xeque a democracia e prejudicam o povo?
Já em 16 de setembro, a Câmara dos Deputados votou e aprovou a absurda e inconstitucional “PEC da Blindagem”. Segundo a proposta, deputados e senadores não poderiam ser processados criminalmente pelo STF, sem uma licença concedida por votação secreta, com maioria absoluta dos integrantes da Câmara ou do Senado. Pressionados pelas manifestações populares contrárias à proposta, o Senado Federal decidiu rejeitá-la por unanimidade. Ainda assim, só o fato de propostas como essa serem abertamente discutidas já reforça a desigualdade judicial do país. Além disso, compromete não só a dignidade do sistema judiciário brasileiro, como a moralidade do legislativo. E revela, acima de tudo, o caráter das autoridades que deveriam representar o povo brasileiro, seu egoísmo e oportunismo.
A lentidão nos processos criminais, a burocracia extensa também são fatores que corroboram no descrédito da justiça. Após sete anos, a família de Marielle Franco e Anderson Gomes finalmente puderam comemorar que os acusados de serem mandantes e os assassinos do crime foram presos. Mesmo assim, ainda esperam a condenação dos responsáveis pelas mortes. Se figuras tão importantes como a Marielle, com um dos casos de assassinato político mais comentado dos últimos anos, ainda não tiveram um desfecho satisfatório, como um brasileiro sem recursos financeiros e apoio judicial poderia esperar que a justiça seja feita para alguém como ele?
Um sistema que, com 40 anos desde a Ditadura Militar, falha em reconhecer vítimas do regime e anistia torturadores. É difícil de acreditar, em um cenário desses, que, apesar da condenação histórica, essas figuras serão responsabilizadas e devidamente punidas pelos crimes que cometeram. Sem contar as outras inúmeras perdas da pandemia e a negligência do sistema de saúde público que, depois de três anos e uma CPI, seguem sem resposta do judiciário.
Diante desse panorama, conclui-se que a justiça brasileira, embora tenha alcançado a condenação histórica da trama golpista, ainda se mostra seletiva e desigual. A discrepância no tratamento dado a crimes cometidos por cidadãos comuns e por autoridades políticas reforça a descrença popular e ameaça os pilares da democracia. Enquanto a impunidade prevalecer, torna-se impossível confiar em um sistema que, em vez de garantir igualdade perante a lei, perpetua privilégios e desigualdades.
Publicado por Luiza Lara
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