Canetas emagrecedoras: preocupação com a saúde ou culto à magreza?
- Por: Bruna Sebollela
- há 4 dias
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Medicamentos se transformam em ferramenta de emagrecimento rápido e reforçam padrões estéticos

As chamadas “canetas emagrecedoras”, como Ozempic e Mounjaro, são medicamentos injetáveis desenvolvidos para o tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade grave. Elas atuam imitando hormônios naturais que agem tanto no cérebro quanto no sistema digestivo, responsáveis pela regulação do apetite e da glicose no sangue. Assim, há o aumento da sensação de saciedade e a redução da fome, levando, consequentemente, à perda de peso. Embora tenham sido criadas como remédios e demandem acompanhamento médico, tais canetas se popularizaram como solução de emagrecimento rápido. Então, surge o questionamento: a tão almejada perda de peso realmente é preocupação com a saúde ou apenas uma forma de se encaixar no padrão estético?
Segundo o levantamento Ipsos Health Service Report 2025, realizado em 30 países e divulgado em 7 de outubro, 58% dos brasileiros afirmam já ter ouvido falar dos medicamentos das canetas emagrecedoras. O índice é acima da média global de 36% e o Brasil ocupa a nona posição no ranking. Além disso, dados do Google Trends divulgados pela Veja indicam que as pesquisas, no Brasil, sobre os remédios são quase o dobro das sobre dietas, e que “como emagrecer” é a pergunta mais feita por brasileiros no tema saúde até 5 de agosto. Tais números mostram como as canetas estão cada vez mais populares e se tornando conhecidas entre a população brasileira. Isso pode ser explicado pela difusão do tema nas redes sociais digitais e pela influência de celebridades que afirmam já ter feito uso do produto.
Os injetáveis atualmente conhecidos como canetas emagrecedoras foram criados para o tratamento de doenças. Obviamente, eram consumidos de acordo com a prescrição médica. Entretanto, a popularização dos fármacos como método para a perda de peso é um uso fora da recomendação da bula. A utilização desenfreada de tais medicamentos com a finalidade de emagrecer pode levar riscos à saúde do usuário e efeitos colaterais, como náuseas, vômitos, diarreias, mal-estar, desidratação e problemas na vesícula, além de perda também da massa muscular. Como o emagrecimento se dá através de medicamentos, e não da reeducação alimentar e do estilo de vida, a interrupção do uso das canetas pode dar o famoso “efeito sanfona”, em que a pessoa recupera os quilos perdidos. Endocrinologistas apontam que este emagrece-engorda é ainda pior para o corpo humano.
O uso indiscriminado das canetas emagrecedoras também afeta outras áreas, como a segurança pública e a economia. A procura cada vez maior por esses produtos abriu espaço para a falsificação, o contrabando e a comercialização irregular dos medicamentos. É cada vez mais frequente ver no noticiário casos de apreensão de canetas falsas ou clandestinas pela Receita Federal e pela Polícia Federal. Em abril, o Fantástico exibiu uma reportagem sobre como os fármacos são escondidos na tentativa de enganar a fiscalização: são disfarçados de canetinha infantil e até mesmo guardados em roupas íntimas.

Como forma de conter a utilização abusiva das canetas emagrecedoras, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que as farmácias devem reter, de forma obrigatória, a receita médica na hora da venda desses remédios. A prescrição deve conter os dados do paciente, o nome comercial do produto, a concentração, a fórmula, a dose e a quantidade do medicamento. O estabelecimento deve, ainda, mandar todos os dados para o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados. A medida objetiva que o uso das substâncias fique restrito a quem realmente precisa, e está em vigor desde junho deste ano.
Entretanto, as pessoas que usam as canetas emagrecedoras sem orientação médica para perder peso parecem não estar preocupadas com as adversidades que elas podem trazer. O mais importante é atingir a magreza. O corpo ideal imposto pelo padrão de beleza é o corpo magro. A sonhada perda de peso já foi buscada por dietas milagrosas, sucos detox, cirurgias plásticas. A caneta emagrecedora é apenas mais uma tendência. Bonito é ser magro, custe o que custar, mesmo que seja a saúde. O que é contraditório, já que, muitas vezes, o emagrecimento vem disfarçado de preocupação com a saúde, embora, comprovadamente, o uso indiscriminado de tais fármacos seja prejudicial ao bem-estar.
Em entrevista ao Jornal Extra em outubro de 2024, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) revelou ter feito uso de um desses medicamentos. Ele ainda afirmou que gostaria de colocar o remédio na rede pública do município e que, então “o Rio vai ser uma cidade que não vai ter mais gordinho”. Apesar de afirmar que ele está preocupado com a saúde, tal frase de Paes pode ser interpretada como gordofobia disfarçada. Ao reproduzir falas do tipo, o político, ainda que sem querer, reproduz e reforça estereótipos estéticos, em que ser “gordinho” é visto como algo ruim.
O culto à magreza, que associa corpos magros a sucesso, disciplina e beleza, cria uma pressão constante sobre a sociedade, transformando a perda de peso em prioridade máxima. Isso afeta diretamente a saúde mental. A busca por corpos cada vez mais magros desencadeia culpa, ansiedade e vergonha em quem não se enquadra no padrão de beleza imposto. Muitas vezes, as pessoas acabam desenvolvendo distúrbios alimentares e depressão. Sem uma mente saudável, não existe um corpo saudável.
No fim das contas, medicamentos desenvolvidos para tratar doenças se transformaram em atalho para chegar ao corpo ideal, enquanto os riscos à saúde e os efeitos colaterais e psicológicos ficam em segundo plano. O uso irrestrito das canetas emagrecedoras para além do seu fim medicinal evidencia que atingir a magreza, e de forma rápida, é o mais importante, visto quase como uma conquista. Tal visão, alimentada por redes digitais e por figuras públicas, alimenta a lógica de valor associado à magreza e de padrão estético praticamente inatingível.
Publicado por: Geovana Costa
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