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"Aqui cabe uma criança?”: coletivo criado por mãe nas redes sociais mobiliza luta pelo direito das crianças ao acesso à cultura e à cidade

  • Vitória Thomaz
  • 18 de jul.
  • 10 min de leitura

Atualizado: 19 de jul.

Mariana Duarte é a criadora do perfil “Aqui cabe uma criança?”. Ela luta em prol do direito de as mães e crianças serem bem acolhidas em todos os lugares da cidade. Entenda também o papel das mães na luta política


Mariana Duarte em manifestação na Avenida Paulista lutando pelos direitos e espaços das crianças. (Foto: acervo pessoal)
Mariana Duarte em manifestação na Avenida Paulista lutando pelos direitos e espaços das crianças. (Foto: acervo pessoal)

Por meio de uma rede social, tão famosa nos dias atuais, o Instagram, Mariana Duarte usou da sua voz para promover um perfil voltado para mães. O projeto chamado “Aqui Cabe uma Criança” se transformou em um coletivo que busca conscientizar sobre a importância da participação das crianças na sociedade e promover encontros que valorizem e respeitem elas e suas famílias. Mariana Duarte é mãe de dois, tem 32 anos, vive em São Paulo, é coordenadora de eventos, doula e consultora de amamentação pelo GAMA – Maternidade Ativa. Hoje, Mariana se junta com outras mães pela luta de que todo lugar na cidade seja um local receptivo com as crianças. “O que me motivou (a criar conteúdo pra internet sobre inclusão de crianças e mães) foi o incômodo constante ao frequentar espaços culturais e fazer programas que, em geral, não são considerados ‘infantis’. Quando chegou uma criança na minha vida, percebi como a sociedade nos empurra apenas para parquinhos, festas infantis ou espaços de brincar. Eu queria mostrar que não precisa ser assim. Comecei a compartilhar com outras famílias os lugares que frequento para dizer que a cidade toda pode – e deve – caber uma criança”, declarou Mariana Duarte.


O perfil do projeto “Aqui cabe uma criança” atualmente conta com cinco mil seguidores e é uma comunidade tanto digital como física, que está propondo mudar o conceito de “lugar de criança”. 


Mariana explica como escolheu o nome do perfil do Instagram. “O nome  surgiu como uma resposta a tantos lugares – e pessoas – que deixam claro que crianças ‘não cabem’. Queremos afirmar o contrário: cabe, sim, uma criança! Basta querer, cuidar e se comprometer com o acolhimento das famílias. O nome é uma provocação e, ao mesmo tempo, um convite para repensar a cidade e quem tem o direito de ocupá-la”.


Quando perguntada se enxerga seu projeto como um movimento político, Mariana Duarte afirma que sim e que busca conseguir uma mudança com sua voz nas redes sociais digitais. “O Aqui cabe uma criança é um projeto apartidário, mas com uma proposta política clara: mudar o lugar simbólico e concreto que as crianças ocupam na sociedade. Acreditamos que todo lugar é lugar de criança. É uma luta por visibilidade, pertencimento e transformação dos espaços públicos e culturais”.


A nossa entrevistada, ao ser perguntada se enxerga que os espaços culturais atuais estão preparados para receber crianças e suas famílias, responde que ainda não, mesmo vendo que alguns estão no caminho. “A maioria ainda não. Alguns estão no caminho, mas muitas vezes a mudança é mais estética do que efetiva. Não basta ter uma rampa ou um trocador e achar que isso resolve. É preciso capacitar equipes, mudar o olhar e desenvolver uma escuta real das famílias. Acolher crianças exige repensar regras, acessos e relações. E isso ainda está longe de acontecer em muitos lugares”.


Ter acesso à cultura não é apenas positivo para o crescimento e construção de uma pessoa como também é um dos direitos garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O direito é descrito nos artigos 53 e 58. O artigo 58 destaca a importância de acesso às fontes de cultura. Além disso, o artigo 53 trata sobre o direito à educação, cultura, esporte e lazer, e estabelece que a criança e o adolescente têm direito a esses elementos para o seu pleno desenvolvimento e para o exercício da cidadania. 


O ECA, portanto, indica que a cultura é um componente essencial para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente. Isso significa que o acesso à cultura deve ser garantido, incluindo a participação em atividades culturais, artísticas e recreativas, além do acesso a fontes de informação e conhecimento. 


O artigo 227 da Constituição Federal estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, saúde, alimentação, educação, ao esporte, lazer, à profissionalização, cultura, dignidade, ao respeito e à liberdade. O acesso à cultura para crianças e adolescentes é um direito fundamental, garantido pelo ECA e pela Constituição, e deve ser assegurado para promover o desenvolvimento integral, a cidadania e a participação na vida social. 


Logo, o trabalho realizado por Mariana Duarte em sua vida e redes sociais, é político, pois assegurar o direito ao bem-estar e inclusão na infância é uma parte essencial na formação do cidadão. 


Post de Mariana Duarte em que mostra uma roda de conversa política na qual mães puderam levar seus filhos para participar, ocupando assim todos os locais. Foto: Aqui cabe uma criança?
Post de Mariana Duarte em que mostra uma roda de conversa política na qual mães puderam levar seus filhos para participar, ocupando assim todos os locais. Foto: Aqui cabe uma criança?

Mariana Duarte afirma que há ainda muitos desafios enfrentados por mães e crianças ao ocuparem espaços públicos e eventos. “Tudo é um desafio. Às ruas não são seguras nem acessíveis, seja pra uma criança andando ou num carrinho. O transporte público é difícil, muitos espaços não têm trocador, acessibilidade, alimentação adequada, ou sequer enxergam a criança como um sujeito de direitos. A falta de preparo e de escuta da sociedade em relação à primeira infância é uma barreira enorme.”


E como a presença das crianças pode transformar os ambientes da cidade? A nossa entrevistada Mariana Duarte diz que, quando naturalizamos a presença das crianças em todos os espaços, conseguimos abrir caminhos para políticas públicas pensadas para elas e fortalecemos o reconhecimento da infância como parte essencial da vida coletiva. Um lugar onde cabe uma criança cabe todo mundo. “A cidade fica mais humana, mais acessível e mais cuidadosa quando acolhe suas crianças”, afirma Mariana.


Em algumas tradições na África, a educação de crianças não é uma responsabilidade restrita apenas a sua mãe ou ao seu pai: e, sim, um dever coletivo. É incentivada uma cultura de criar uma criança como um dever coletivo de toda a comunidade para garantir que essa criança inaugure a vida e nela permaneça em segurança. Em culturas africanas, a ética da comunidade é mais importante do que o individualismo. Este é um ensinamento que podemos levar para a realidade atual do nosso país e assim aprender a construir uma cidade mais acolhedora para todas as pessoas, de todas as idades. Crianças não são “pequenos adultos” e, sim, pessoas que necessitam de uma atenção especial em uma fase da vida que é tão importante.


Mariana Duarte diz que nunca foi explicitamente expulsa de algum local por estar com crianças pequenas, mas que já teve sua entrada ou permanência dificultada por estar com seus filhos. “Já me senti desconfortável porque o espaço proibia amamentar, ou dizia que não era ‘seguro’ para crianças (quando, na verdade, deveria ser seguro para qualquer pessoa). A ausência de trocadores, de cardápios saudáveis ou até mesmo de acolhimento vira uma forma sutil de exclusão, disfarçada de cuidado”, conta.


O projeto Aqui cabe uma criança? promove vários tipos de encontros. “Tem os passeios em espaços culturais, os encontros do nosso clube do livro em cafés, e até o ‘drink das mães’ – uma saída noturna na qual as crianças também são sempre bem-vindas. Às vezes, só nos reunimos para estar juntas na cidade, outras vezes propomos atividades como dança, yoga, rodas de conversa ou dinâmicas. A maioria da comunidade é formada por mães, mas temos pais bem envolvidos, e também avós, madrinhas, tios... Toda família que quiser participar é bem-vinda. A recepção é sempre muito afetuosa, tem uma sensação forte de pertencimento.”



Lugar de mãe? É na política! Conheça a “mãedata”


Thais Ferreira, de 36 anos, foi escolhida duas vezes para ser vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL. Thais é mãe, vereadora reeleita, “cria” do subúrbio e em seu atual mandato o seu maior projeto e compromisso é com a defesa dos direitos das crianças. 


Thais Ferreira em sua campanha defendeu o que chamou de “MÃEDATA”. Ela explica que “a MÃEDATA é um mandato que nasce do ventre da vida e coloca no centro a potência das mães para criar soluções na política. Eu sou mãe de quatro meninos, vereadora, mulher negra, e toda a minha trajetória é atravessada por violências institucionais que se repetem para milhões de outras mulheres mães como eu. A diferença do nosso mandato é que a política nasce do afeto, da escuta e da coragem de romper com estruturas que excluem”.


Eleita vereadora pelo PSOL em 2020, Thais assumiu o cargo na Câmara ressignificando o termo "mandato" para estabelecer a maternidade no centro. Foto: Instagram/Thais Ferreira.
Eleita vereadora pelo PSOL em 2020, Thais assumiu o cargo na Câmara ressignificando o termo "mandato" para estabelecer a maternidade no centro. Foto: Instagram/Thais Ferreira.

A vereadora aprovou projetos voltados para a infância. “A gente conseguiu aprovar leis importantes como o Dia Municipal do Brincar, o Canal de Denúncia contra o Racismo Obstétrico, e a Lei de Práticas Restaurativas e Mediação de Conflitos nas escolas. Também garantimos recursos para formação de profissionais da saúde com olhar específico para a primeira infância, além da luta constante por mais vagas em creches e mediadores escolares para crianças com deficiência. Isso tudo só foi possível porque escutamos as mães e construímos com elas”. 


“A gente não fala de infância ou de cuidado com distância. A gente fala com verdade, com corpo presente, com um projeto de cidade que cuide de quem cuida”, acrescenta Thais.


Para ela, tanto como uma mulher na política, mas principalmente como mãe de quatro filhos, a cultura exerce um papel crucial no crescimento e na educação de pequenos cidadãos. A vereadora enxerga o acesso à cultura na infância como um direito essencial. “A cultura é uma das primeiras formas de pertencimento. Uma criança que tem acesso à arte, à música, à dança, à ancestralidade, cresce com mais autoestima, consciência e visão crítica do mundo. O poder público precisa parar de ver a cultura como “extra” e começar a garantir orçamento, editais mais acessíveis, incentivo a artistas populares e valorização dos territórios. Cultura também é política de cuidado. E cuidar das infâncias é nossa base de transformação social”.


Publicação feita no Instagram de Thais Ferreira, em 4 de junho, Dia do Combate à Agressão contra Crianças e Adolescentes. Na imagem, Thais aparece sorrindo com seu filho. Foto: Instagram/Thais Ferreira
Publicação feita no Instagram de Thais Ferreira, em 4 de junho, Dia do Combate à Agressão contra Crianças e Adolescentes. Na imagem, Thais aparece sorrindo com seu filho. Foto: Instagram/Thais Ferreira

Thais Ferreira luta para que todas as crianças tenham acesso à educação de qualidade, à saúde e à cultura. Existe um problema estrutural de racismo em que crianças negras e de locais periféricos encontram-se em vulnerabilidade social, sendo muitas vezes colocadas à margem da sociedade e não tendo os seus direitos concedidos. Thais luta diariamente para que isso mude. “A desigualdade racial e territorial está no centro da nossa atuação. Cada projeto de lei, cada fiscalização, cada denúncia que a gente encaminha tem esse olhar. Recentemente, denunciamos a situação da Maternidade Carmela Dutra e a falta de acesso a exames para crianças pretas e pobres. Lutamos por orçamento específico para políticas de equidade racial e aprovamos o Estatuto da Igualdade Racial e o Programa Municipal de Saúde da População Negra”. 


Um dos projetos da vereadora é voltado para pensar em uma nova maneira de criar meninos, além de focar principalmente a juventude negra para que esses jovens cresçam de maneira mais saudável. “Também estamos à frente da criação da Política de Promoção de Masculinidades Saudáveis, pensando desde cedo na transformação de meninos pretos. É estrutural. E precisa ser enfrentado com coragem.”


Ao ser perguntada sobre o que ainda precisa ser feito na Câmara Municipal do Rio para que as infâncias deixem de ser pauta secundária e passem a ser prioridade, Thais Ferreira respondeu: “Falta prioridade no orçamento, compromisso político e escuta ativa das mães e das crianças. A infância ainda não aparece como centro das decisões. Precisamos de mais investimento em creches, saúde mental infantil, mediação escolar, cultura, assistência social e estrutura nos territórios.

 

Thais Ferreira também acrescenta destacando mais uma vez a grande importância de eleger mães para cargos políticos. “E principalmente: precisamos eleger mais mulheres, mães e cuidadoras porque ninguém cuida melhor das infâncias do que quem vive essa realidade todos os dias! Eu sigo aqui pra garantir que o “futuro” das crianças seja cuidado agora”, finaliza.



Lugar de criança? É no museu, na praia, nos shows, nos restaurantes e onde o responsável estiver


Daniella Beliago é secretária Municipal de Cultura de Japeri, RJ. Além desse cargo, Daniella é professora há 19 anos. Como mãe e secretária de Cultura, ela acredita no poder transformador que o acesso à cultura na infância possui. “Eu penso que a cultura transforma vidas. Tanto de quem faz, de quem é um agente cultural e também de quem é plateia. Principalmente no desenvolvimento da criança e do adolescente, no aspecto do imaginário, da criatividade. E também tirando essas crianças da rua, da violência, das drogas, do trabalho infantil, isso tudo a cultura acho que seja capaz de ajudá-las”.

 

Daniella Beliago, secretária de Cultura de Japeri. Foto: Acervo Cultura Japeri
Daniella Beliago, secretária de Cultura de Japeri. Foto: Acervo Cultura Japeri

Daniella é mãe de duas crianças, uma de 12 anos e uma de 9. Para ela, é muito importante que as crianças cresçam sendo incluídas em atividades culturais, pois isso ensina de diversas formas. “A cultura é um componente-chave no desenvolvimento integral da criança. Ela (a criança) através da cultura, através do teatro, através de alguma linguagem artística, ela consegue compreender como ela está ali no mundo e dá sua opinião, se expressar, então, em vários aspectos, a cultura vem ajudar na formação desse sujeito integral”.


A secretária de Cultura Daniella e a turma de jazz infantil do Centro Cultural participando na feira das profissões, um dos compromissos da secretaria é com os pequenos. Foto: Acervo Cultura Japeri
A secretária de Cultura Daniella e a turma de jazz infantil do Centro Cultural participando na feira das profissões, um dos compromissos da secretaria é com os pequenos. Foto: Acervo Cultura Japeri

Daniella Beliago acredita que precisamos de medidas urgentes para que mais pessoas tenham acesso à cultura, como a criação de um vale-cultura pelas empresas. Outro exemplo seria o de diminuir o preço de entrada de cinemas, museus, teatros etc.


“A gente sabe que as pessoas não vão deixar de comer, de se vestir, para pagar um ingresso (de algo cultural), pois é caro. Eu acho que precisamos da democratização da cultura. Por exemplo, criar algumas políticas, como algum passaporte cultural ou algum ‘vale-cultura’ nas empresas, para que essas famílias em situação de vulnerabilidade pudessem utilizar e incluir a cultura em suas vidas”, destaca a secretária de Cultura.

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No último 9 de julho, o ECA completou 35 anos. Trata-se de uma história potente na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes na sociedade. Ainda há um longo caminho a percorrer para que mães e crianças possam viver tendo mais acesso à saúde de qualidade, uma boa educação e um fácil acesso à cultura. Seja conhecendo museus, seja assistindo a uma peça de teatro, seja brincando com os amigos, toda criança merece ter o direito de viver uma infância feliz. O olhar é para o futuro. E há várias mães pelo Brasil lutando por isso, de dentro e de fora da política.


Assista ao vídeo que é um complemento dessa reportagem:


Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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