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Ainda Estou Aqui: uma reflexão sobre memória negra e ditadura

  • Juliana Menoio Gomes
  • 6 de jan.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 10 de jan.


Foto: Arquivo Nacional
Foto: Arquivo Nacional

A ditadura militar brasileira (1964-1985) foi um período de opressão brutal, em que a censura, a repressão e a violência institucionalizada dominaram a sociedade, silenciando vozes disruptivas e restringindo a liberdade de pensamento. Durante esses anos sombrios, o regime perseguiu, torturou e fez desaparecer milhares de pessoas, criando um ambiente de medo e controle absoluto, sustentado pelos Atos Institucionais (AIs). O filme Ainda Estou Aqui (2024, 137 min), dirigido por Walter Salles, conta a história de Eunice Paiva (Fernanda Torres), esposa de Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado torturado e morto pela ditadura. Durante o regime, a brutalidade não atingiu apenas uma classe social, e sim qualquer indivíduo que estivesse contra os ideais políticos e sociais do governo.


Gabriel Mattos, professor e graduando em História pela UERJ, ressalta que as perseguições promovidas pelo regime iam além da esfera política: “No filme, temos Rubens Paiva, um ex-político, como protagonista da perseguição. Contudo, o alvo da repressão não era apenas quem tinha vínculo direto com a política. Negros, pessoas LGBTQIA+, músicos, adeptos de religiões de matriz africana, entre outros, também sofriam com a violência do regime. Em outras palavras, qualquer indivíduo que fizesse parte desses grupos poderia ocupar o lugar de Rubens na narrativa do filme, já que o silenciamento dessas vozes era igualmente, ou muitas vezes, até mais brutalmente, parte do projeto autoritário de silenciamento.” 


O filme Ainda Estou Aqui, que agora quebra recordes de bilheteria, deixou o público com uma sensação unânime ao sair das salas de cinema: pesar e dor ao vivenciar uma história tão brutal. Contudo, a maior dor talvez seja a omissão sofrida por esse, e outros casos semelhantes, na memória coletiva do nosso país. Mirelly Morisco, graduanda em História pela UFRJ e criadora de conteúdo sobre o movimento negro, destaca a importância do cinema como ferramenta para preservar o passado e enfrentar esses silêncios históricos. Para ela, filmes como Ainda Estou Aqui e Zuzu Angel (108 min) ajudam a visualizar o impacto real da repressão durante a ditadura, especialmente em um país que ainda tenta minimizar os horrores desse período. “O cinema nos faz ver, ouvir e aprender, para que nunca mais se repita”, ressalta Mirelly, reforçando o poder do audiovisual na luta contra o esquecimento e as narrativas revisionistas.


Essa luta pela preservação da memória é especialmente significativa para os movimentos negros, que enfrentaram um processo sistemático de apagamento durante a ditadura militar. Segundo o portal Alma Preta, estima-se que 41 lideranças negras foram assassinadas ou desapareceram nesse período, entre elas figuras como Carlos Marighella, Helenira Rezende e Osvaldão. O regime também reprimiu o Movimento Negro Unificado (MNU), criado em 1978, alvo de espionagem e infiltrações pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) e pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Desde 1975, jovens intelectuais negros já eram monitorados, acusados de fomentar a luta racial. “Durante a ditadura, o preconceito racial foi mais acirrado, as pessoas negras eram inferiorizadas e colocadas à margem da sociedade. O MNU é uma chance de dar voz aos direitos e lutas dessas pessoas”, destaca Mirelly Morisco.


A trajetória de Carlos Marighella é um exemplo emblemático desse apagamento. Ex-deputado, intelectual e militante comunista, ele se tornou um dos maiores símbolos da resistência à ditadura militar, defendendo a luta armada contra a repressão. Sua morte, em 1969, permanece cercada de controvérsias, mas o mais cruel foi o apagamento sistemático de sua memória. O regime não apenas excluiu Marighella dos registros oficiais, como também tentou embranquecer sua identidade, apagando sua herança africana e minimizando seu impacto político. Esse silenciamento, ainda hoje, levanta questões importantes sobre como o racismo estrutural molda a história oficial do Brasil, relegando ao esquecimento aqueles que lutaram pela liberdade e pela igualdade.


Carlos Marighella foi mais do que um símbolo de resistência; ele representava a força de um ideal que unia coragem, intelectualidade e o desejo de justiça social. Como poeta e autor de obras como o Minimanual do Guerrilheiro Urbano, Marighella buscava não apenas inspirar a luta armada, mas também transmitir a consciência política necessária para combater a opressão. Ele compreendia profundamente o papel do racismo estrutural nas engrenagens do regime, e sua herança africana foi uma parte indissociável de sua identidade, mesmo que o Estado tentasse apagá-la. Marighella era frequentemente retratado como um inimigo do Estado, mas sua verdadeira luta era contra a desigualdade e a exclusão social, especialmente do povo preto e marginalizado. 



Publicado por: Alice Rodrigues

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Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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