“A Substância”: a beleza sob o controle e os desafios da pressão estética
- Juliana Menoio e Maria Beatriz Nonato
- 2 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de jan.
O thriller psicológico A Substância (disponível em Mubi), dirigido por Coralie Fargeat, aborda a pressão estética e a obsessão pela juventude na sociedade contemporânea. O filme expõe os impactos destrutivos dessa busca, revelando como os padrões de beleza inatingíveis afetam a saúde mental das pessoas ao longo do tempo. Estrelado por Demi Moore, o longa acompanha Elisabeth Sparkles, uma apresentadora que já foi muito famosa e bem-sucedida. Agora, aos 50 anos, ela continua no mesmo programa de ginástica no estilo Jane Fonda dos anos 80, porém, sua vida sofre uma reviravolta quando é informada que será substituída por uma atriz mais jovem. Desesperada, Elisabeth aceita testar uma droga experimental chamada A Substância, que promete devolver sua juventude e trazer a melhor versão de si mesma. Margaret Qualley, que dá vida a Sue, a versão aprimorada de Elisabeth, não poupa esforços para reconquistar o seu sucesso e retomar a sua carreira.
O filme oferece uma visão muito pessoal, especialmente pela escolha de Demi Moore como atriz principal. Ela enfrentou a pressão estética, lidando com cirurgias plásticas e sendo alvo de comentários cruéis da mídia. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Moore revelou a violência que infligiu a si mesma durante esse período, incluindo práticas como jejum extremo e horas de exercícios físicos. “É o que fiz comigo mesma, é ao que dei importância sobre mim, realmente é uma violência. Como nós podemos ser violentos com nós mesmos, o quão brutais”, afirmou.
O filme aborda com precisão os padrões estéticos e o preconceito etário, temas profundamente conectados à realidade, especialmente na cultura pop e no cenário de Hollywood. Atrizes como Sharon Stone, Jamie Lee Curtis, Jessica Lange e Meryl Streep são exemplos de artistas que já falaram abertamente sobre ter sofrido essa forma de preconceito na busca de trabalhos.
A beleza como mercadoria
“Você já pensou em uma versão melhor de você mesma?”
Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de cirurgias estéticas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Essa busca incessante pela aparência jovem, embora afete ambos os gêneros, recai intensamente sobre as mulheres, que, diferentemente dos homens, são frequentemente julgadas como desleixadas ou inseguras caso apresentem sinais naturais de envelhecimento, como rugas ou cabelos grisalhos. Para 77% das mulheres, essa pressão para não aparentar a idade real é algo cotidiano, e muitas apontam que, ao contrário, os homens não enfrentam a mesma cobrança, ouvindo elogios de que estão charmosos ou “bonitões”.
Essa realidade reflete aspectos mais profundos, que incluem a influência do capitalismo sobre o corpo feminino. O fenômeno do “Pink Tax”, por exemplo, ilustra como produtos e serviços direcionados ao público feminino são, em geral, mais caros que os voltados aos homens, reforçando a ideia de que beleza e juventude são obrigatórias para a mulher, fazendo com que gastem em média aproximadamente 30% dos seus salários com estética e beleza. Além disso, essa estética compulsória parece atuar como uma forma de controle sobre os corpos femininos, afetando até mesmo questões de saúde e capacidade reprodutiva.
“Vocês são uma. Não pode fugir de si mesma.”
A indústria da beleza e dos cosméticos é um exemplo notável de como o mercado se aproveita das pressões sociais impostas às mulheres e lucra com a insegurança que muitas vezes é cultivada pela própria cultura de consumo. Esse complexo industrial vende a ideia de que a juventude e a beleza são condições para a aceitação e a validação, criando uma “necessidade” de consumir procedimentos estéticos, produtos antienvelhecimento, maquiagem e roupas modeladoras, que prometem moldar o corpo feminino segundo padrões inalcançáveis. Ao provocar essa dissonância cruel entre quem somos e quem deveríamos ser, aos olhares externos, o mercado cria a necessidade eterna e a perseguição a um ideal inatingível, em que quando se dá conta, ‘Elizabeths’ se sentem ‘Elizasues’, a criatura final e retrato fiel passado pelo filme sobre o caos interno como o preço a se pagar por essa corrida impossível de vencer.
“O que foi usado em um lado é perdido no outro lado. Não há como reverter.”
Em entrevista ao Estadão, a atriz Deborah Secco revelou: "Realizei um procedimento há uns anos que deu muito errado. Sofri muito. Fiz preenchimento de olheira e maxilar. Ficou um horror, desfiz no mesmo dia." Seu relato expõe um problema comum na indústria estética: a promessa de mudanças “reversíveis” e “simples” que, na prática, podem gerar resultados insatisfatórios ou permanentes. Tema muito bem explorado no filme, no qual Elisabeth Sparkles se vê cada vez mais destruída ao se manter no corpo de Sue.
Esse padrão inalcançável também é uma realidade na moda. A influenciadora digital e estudante de moda Amanda Mendonça apontou que distúrbios alimentares e de imagem são perpetuados pela indústria, que finge abraçar a inclusão apenas por pressão pública e marketing.
Publicado por: Lucas Diniz