Quando a paixão da escrita encontra a oportunidade de vida
- Juliana Araújo
- 22 de out.
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de nov.
Novos autores enxergam na publicação independente uma maneira de seguir seus sonhos

Será que é possível viver da publicação de livros de forma independente? A escritora Karen Santos, de 36 anos, fez essa pergunta quando decidiu largar seu emprego formal para tentar realizar esse sonho. Ainda que o mercado literário seja restrito e elitizado, a expansão de títulos de romance nacional na principal página do maior marketplace de e-books do país, impulsionada pela popularização dos nichos de livros no TikTok, é uma evidência das novas possibilidades surgidas para autores independentes.
Segundo a mais recente pesquisa conduzida pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), 84% da população brasileira não comprou nenhum livro nos últimos 12 meses e, pelo quinto ano consecutivo, o setor editorial apresenta recuo nas vendas, chegando a 44% de queda entre 2006 e 2024. Em contrapartida, o mercado de livros digitais cresceu 5,5% nos últimos dois anos, e vem ganhando os consumidores que buscam facilidade e maior diversidade na hora de comprar novos títulos.
A expansão desse mercado é a razão pela qual novos autores têm investido na área. Karen Santos é um bom exemplo. Formada em jornalismo, a autora relata que viver da escrita nem sempre foi seu objetivo: “Eu comecei a escrever quando me vi desempregada e joguei no Google como ganhar dinheiro rápido”, relembra Karen. “É uma explicação boba, mas quando eu vi a possibilidade da Amazon eu decidi aproveitar meu tempo e publicar”. O resultado, melhor do que o esperado financeiramente, a fez entender que era possível investir na sua paixão.
Karen viu que era possível se sustentar com sua maior paixão: a escrita
Afinal, o quão descomplicado é ser publicado?
A situação de Karen não é um caso isolado. Segundo pesquisa do Sindicato Nacional de Editores de Livros, a procura por livros nas bibliotecas digitais aumentou, principalmente pelo gênero de ficção. Com isso, novas oportunidades têm surgido para quem busca o sonho de publicar um título, ainda que distante do roteiro “tradicional” de recorrer a uma editora. O recurso da autopublicação por e-commerces como a Amazon Kindle Direct Publishing, ou a inserção em assinaturas pagas, como o Kindle Unlimited, abre uma porta que, até pouco tempo atrás, era inimaginável: a viralização.
Apesar do alto investimento necessário para a publicação ganhar destaque, como os custos com revisores, designers, publicidade, tráfego pago, por exemplo — o que o autor acaba ganhando em troca é a liberdade editorial. A pesquisa da CBL aponta que um dos principais motivos para a maior procura por e-books é justamente a maior variedade na escolha de títulos e gêneros. No caso de Karen Santos, a abertura deste mercado foi o ponto de partida para sua caminhada: “Editoras tradicionais não têm interesse em livros de romance hot nacionais, em geral são portas fechadas”, desabafa.
Para Nicole Oliveira, autora de cinco romances publicados de forma independente, a liberdade veio em formato de oportunidade, já que na pandemia transformou suas fanfics em fonte de renda. Apesar de ter alguns de seus trabalhos publicados em pequenas editoras, e definir as publicações independentes como um trabalho incerto, tal atividade já é a principal fonte de visibilidade e de renda da autora: “Com os e-books é onde consigo conquistar público, leitores engajados que gostam de me acompanhar e ler tudo o que escrevo”, declarou a escritora. “Acho que pelo valor ser mais acessível, é mais fácil convencer as pessoas a darem uma chance para as minhas palavras.”
Para ambas as autoras, fica claro que a publicação de um livro físico funciona mais como uma porta de divulgação de seus trabalhos para outros tipos de públicos, como ocorre com as feiras e bienais, por exemplo.
Para Nicole, o encontro em eventos como as Bienais é fundamental para expandir seu público, e conta com as versões em físico que já são sucesso nos e-books.
Para Karen, que já conta com uma longa lista de 27 livros lançados por conta própria, publicar é só o começo do trabalho. A tarefa seguinte exige perseverança e insistência: convencer o leitor a validar seus trabalhos. “Eu não tenho uma comunidade tão forte como outras escritoras, mas sei que tenho pessoas que me acompanham e pessoas que sabem o que esperar de mim. O meu nicho, especificamente, é de pessoas que querem um livro de romance para passar o tempo e os leem em alguns dias, como os de banca que eu costumava ler; como as novelas mexicanas a que eu curtia assistir”, reforça Karen.
Os recursos para a viralização
O trabalho árduo de divulgar um livro exige criatividade e engajamento, e quem sabe visualizar as tendências do mercado ganha mais destaque. Como todo nicho, os livros ganharam espaço nas plataformas de vídeos curtos como o Reels e o Instagram. As derivações de redes sociais como BookTok, BookGram, BookTwitter, são as bolhas de fãs de livros que criam conteúdo voltado para a temática. É comum ver vídeos de influenciadores, leitores e até mesmo autores comentando e divulgando livros e e-books de forma descontraída, com cenas e sinopses para conquistar um possível leitor pela curiosidade.
O grande crescimento dessas redes e o impacto no mercado editorial é inegável. Somente no TikTok as hashtags sobre o assunto cresceram 28%, com mais de 60 milhões de publicações. Em entrevista à CNN, Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Book Tok é fazer com que o uso de redes sociais deixe de ser um concorrente da leitura, e passe a ser um aliado, fazendo com que o algoritmo desempenhe o papel de divulgador orgânico para a comunidade que consome livros.
Porém, nem todos conseguem o engajamento para viralizar nas redes sociais digitais, tendo que recorrer a outros recursos, como o tráfego pago ou publicidade para outros criadores, mesmo que resulte em mais uma despesa para lidar, como exemplifica Karen: “Eu falho muito porque não consigo dar conta de divulgar. Eu sei a teoria, mas ainda é difícil colocar na prática. Então sei que, se eu fosse alguém que produzisse conteúdo com mais naturalidade, teria mais leitores.”
Mesmo com tantos obstáculos, o sonho de ter um livro publicado ainda continua viável, não só para ambas as escritoras, afinal, uma nova geração de autores se sentem encorajados com a possibilidade da autopublicação, garantindo a abertura de novos espaços de publicação para um mercado mais abrangente e diverso.
Hoje, nenhuma das duas cogita largar a escrita ou mudar de carreira. Ao contrário, indicam um progresso em suas caminhadas, com mais lançamentos, investimentos e conforto na trajetória, em uma comunidade que cada vez mais apoia a publicação. “No fundo, o meu trabalho como escritora indie está no mesmo lugar que eu comecei: em um Kindle”, enfatiza Karen.
Publicado por Leandro Climaco Mendonça
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