Polilaminina: a proteína brasileira que busca regenerar a medula espinhal aguarda aval da Anvisa para testes clínicos
- Alice Rodrigues e Nicole Galvão
- 8 de out.
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Pesquisa brasileira de quase três décadas reacendeu a esperança para o tratamento de lesões medulares recém-ocorridas e indica possibilidade de recuperação total ou parcial dos movimentos

Foto: Pixabay
Uma pesquisa científica brasileira que teve seu início há 25 anos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o laboratório Cristália, alcançou resultados significativos no tratamento de lesões medulares. O experimento baseado na proteína polilaminina demonstrou potencial para promover a recuperação parcial de movimentos em testes com animais e humanos. Os resultados foram apresentados no início de setembro pela equipe liderada por Tatiana Sampaio, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. O laboratório agora aguarda autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar novos testes clínicos que comprovem a segurança do tratamento, antes de possível disponibilização no mercado.
A polilaminina consiste em uma versão potencializada da laminina, proteína natural presente no desenvolvimento do sistema nervoso e da placenta humana. Desenvolvida sob liderança de Sampaio, a substância cria um caminho biológico que estimula a regeneração neural no local da lesão medular. A pesquisadora afirmou à Rádio Nacional que "já se sabia há muito tempo que ela tinha esse papel, e o que nós fizemos foi desenvolver uma forma de fazer a laminina ficar mais potente para fazer essa função". O composto mostrou-se promissor tanto em lesões recentes (aplicadas em até 24 horas), quanto em casos crônicos, e requer somente uma dose única acompanhada de fisioterapia.
Em 2021, a UFRJ firmou parceria com o laboratório Cristália, que até o momento investiu R$ 28 milhões em pesquisa e infraestrutura necessária, além de conseguir o marco crucial para a proteção intelectual da descoberta de patentear o composto depois de 18 anos de tramitação. Atualmente, a pesquisa encontra-se em transição entre estudos acadêmicos e a fase regulatória. Testes realizados com seis cães paraplégicos, publicados em agosto na revista Frontiers in Veterinary Science, indicaram recuperação parcial de movimentos em quatro dos animais. Em humanos, os experimentos envolveram aproximadamente dez pacientes entre 2016 e 2021, com relatos de melhoras motoras.
O bancário Bruno Drummond de Freitas, de 31 anos, foi o primeiro grande resultado da pesquisa em um ser humano, de acordo com reportagem veiculada no Jornal Nacional. Em 2018, sofreu um acidente de carro que resultou em lesão medular cervical completa. Com autorização de seu tio médico, Bruno recebeu a aplicação experimental da proteína em menos de 24 horas após o trauma. Após três semanas, teve o primeiro indício de recuperação neuromuscular, com um ano e cinco meses recuperou a capacidade de caminhar com autonomia e retomou suas atividades profissionais. Atualmente, Bruno relata conviver com algumas limitações motoras, mas destaca a significativa melhora em sua qualidade de vida comparado ao prognóstico inicial de imobilidade permanente.
Apesar dos resultados positivos, a ausência de grupo controle (grupo que não recebe o tratamento e serve de comparação na pesquisa) e o número limitado de participantes exigem confirmação em ensaios mais amplos e cautela na interpretação dos resultados, conforme reconhecido pelos próprios pesquisadores no artigo científico. Testes clínicos dependem da autorização da Anvisa para o início da fase 1 com pacientes, que por sua vez aguarda informações sobre a segurança do tratamento. A pesquisa até o momento realizou testes complementares para atender aos requisitos regulatórios, explicou Claudiosvan Martins, coordenador de pesquisa clínica da agência, para o portal G1.
Tatiana Sampaio afirma que desde 2022 o grupo de pesquisa realiza reuniões para aprovação da fase 1 dos estudos, que envolverá cinco pacientes com lesões recentes. A Anvisa ressalta que o processo em análise refere-se apenas à proposta de ensaio clínico, não havendo pedido de aprovação para uso clínico do medicamento.
A polilaminina ainda precisa passar por todas as etapas de pesquisa regulatória antes de ser disponibilizada nos hospitais e no Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo estudos pré-clínicos, três fases de testes clínicos em humanos e registro sanitário, o processo pode levar anos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 250 e 500 mil pessoas no mundo sofrem lesão medular a cada ano, condição até então sem tratamento medicamentoso efetivo.
Para o Dr. Ogari Pacheco, fundador do laboratório Cristália: “produzir a polilaminina e disponibilizá-la para hospitais brasileiros colocará o país na vanguarda da medicina. É não só uma conquista científica nacional, mas também a realização de um sonho para médicos como eu, que já testemunharam o sofrimento de pacientes com lesão medular.”, afirmou em nota divulgada pelo laboratório. Embora os resultados iniciais sejam promissores, o tratamento só poderá ser oferecido após a comprovação definitiva de sua segurança e eficácia em larga escala.
Publicado por Luiza Lara