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Os impactos das apostas on-line na saúde mental dos brasileiros

  • Andressa Zuza, Jully Rocha e Fabiana Araujo
  • 10 de jul.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de jul.

Crescimento acelerado das plataformas de jogos digitais preocupa a população


Salário na conta, transferência para a casa de aposta. Assim foi a rotina do servidor estadual Claudio Dias, 23, durante meses. No início, ainda durante a pandemia, as apostas nas mais variadas bets eram apenas por diversão: apostando no time do coração e no jogador camisa 10 para fazer o gol da virada. Com o passar do tempo, a brincadeira ficou cada vez mais frequente e em diferentes formatos, incluindo o famoso “foguete”. “Eu apostava todos os dias. Recebia um salário bom e no final do mês não sobrava nem R$100 por conta das dívidas”, conta Dias.


Página inicial da plataforma de uma bet – Foto: Fabiana Araujo
Página inicial da plataforma de uma bet – Foto: Fabiana Araujo

As casas de apostas on-line se espalharam rapidamente pelo Brasil nos últimos anos, alcançando públicos de diferentes idades, classes sociais e regiões. A promessa de lucro rápido, combinada com plataformas de fácil acesso e linguagem atrativa, tem seduzido desde jovens até idosos, tornando-se um fenômeno que atravessa gerações e perfis socioeconômicos. Nas redes sociais digitais, influenciadores reforçam esse apelo, promovendo apostas como entretenimento comum e até fonte de renda.


O avanço desses jogos no país, intensificado durante e após a pandemia, levou cerca de 25 milhões de brasileiros a entrarem nesse universo entre janeiro e julho de 2024, segundo o Instituto Locomotiva. Para efeito de comparação, esse crescimento superou a velocidade com que a covid-19 se espalhou no país, que levou 11 meses para atingir o mesmo número de pessoas. Esse número vem acompanhado de um alerta de dependência, endividamento e problemas de saúde mental, ainda pouco debatidos pela sociedade e pelos órgãos reguladores.


Regulamentação em passos lentos

Em janeiro de 2024, o Brasil passou a regulamentar as casas de apostas on-line com a publicação da lei n. 14.790/2023. Com isso, começaram a surgir as primeiras regras para o setor, como a exigência de campanhas educativas sobre jogo responsável. Contudo, de acordo com Thamires Souza (nome fictício), analista de RH de uma empresa de apostas on-line, na prática, os efeitos ainda são limitados. “Acho que a fiscalização vai ser um desafio. Os usuários continuam sendo bombardeados por anúncios nas redes sociais, por e-mails e nem sempre existe um controle efetivo”, avalia ela.


Ainda segundo Thamires, mesmo com a regulamentação, muitas ações internas nas empresas continuam rasas. Os funcionários, por exemplo, são orientados apenas a não manter cadastro na plataforma para a qual trabalham. “A gente assina um termo que proíbe ter conta no site da própria empresa, mas nada é falado sobre outras plataformas”, relata. Ela também aponta que apenas a equipe de atendimento recebeu um treinamento básico sobre ludopatia, voltado para lidar com usuários que verbalizam compulsão, sem que isso envolva uma política mais ampla de conscientização interna.


O expressivo crescimento do setor, impulsionado por campanhas de influenciadores digitais, ampliou o acesso de crianças e adolescentes às plataformas de apostas. Embora a estrutura regulatória determine que apenas maiores de 18 anos possam utilizar os sites, na prática, o monitoramento é falho e a prevenção, pouco eficaz. Segundo Thamires, muitos menores conseguem criar contas usando documentos de terceiros, sem que as casas de apostas adotem mecanismos rigorosos de verificação. “Não vejo uma educação preventiva voltada para os pais, e também não existe um controle mais rígido para impedir que menores façam contas no nome dos responsáveis para acessar os jogos”, afirma.



Consequências psicológicas das apostas

A combinação entre a ausência de filtros consistentes e a publicidade agressiva torna o ambiente ainda mais vulnerável para esse público. Jovens acabam expostos precocemente aos riscos de compulsão e graves danos à saúde mental, sem que haja campanhas preventivas ou ações de bloqueio mais eficientes por parte das plataformas e das políticas públicas de promoção à saúde.


A psicóloga Luana Valadares explica que um dos principais sinais de alerta é a dificuldade em interromper o comportamento, mesmo diante de prejuízos evidentes. “Quando a pessoa sente que não consegue mais parar, usa dinheiro destinado a outras finalidades ou sente angústia por não estar jogando, isso indica que o hábito já se transformou em uma obsessão, não mais em algo casual”, alerta.


Panorama da ludopatia no Brasil 

Fonte: Unifesp/Lenad 2023–2024
Fonte: Unifesp/Lenad 2023–2024

• 11 milhões de pessoas com sintomas de dependência de jogo.

• 1,4 milhão com transtorno compatível com ludopatia.

• 38,4% dos apostadores no último ano estão em risco ou apresentam comportamento problemático.

• 4,4% dos apostadores com possível transtorno (equivale a cerca de 0,8% da população).


Esses dados evidenciam que o problema não está restrito a adolescentes, embora esse grupo seja o mais vulnerável. De acordo com a pesquisa, 55,2% entre os apostadores de 14 a 17 anos estão em risco, mas afeta também um número expressivo de adultos, especialmente pessoas de baixa renda. “Eu cheguei ao ponto de pedir dinheiro emprestado com um amigo próximo para poder continuar jogando. Meu relacionamento com a minha ex-namorada e minha família estava péssimo”, explica Claudio.


Luana destaca que os efeitos emocionais do vício em apostas costumam ser profundos. “Além da frustração pelas perdas, é comum o sentimento de culpa por não conseguir parar, o que acaba prejudicando os relacionamentos, especialmente os conjugais, nos casos em que há renda compartilhada. Isso gera ansiedade, autossabotagem e danos ao sistema de recompensa do cérebro”, explica. 


O tratamento, segundo a psicóloga, é possível e passa principalmente pela psicoterapia. “Buscamos identificar os gatilhos que iniciaram o vício e as crenças distorcidas que o mantêm, como a ideia de que ‘quando ganhar, vai parar’. Esse tipo de pensamento mantém a pessoa presa ao ciclo. A psicoterapia atua com psicoeducação, mostrando como funciona o processo mental por trás do vício e promovendo uma reorganização cognitiva e comportamental”.


Claudio Dias só conseguiu se livrar do vício após procurar atendimento psicológico. “Recorri à terapia quando percebi que, se eu não parasse, ia destruir a minha vida. Eu estava prestes a entrar em depressão e não conseguia nem mais focar no meu emprego”. 


A psicoterapia, como explicou Luana Valadares, é uma ferramenta fundamental no enfrentamento da dependência, mas o cuidado com a saúde mental precisa ir além dos consultórios. É necessário ampliar o debate sobre os impactos das apostas digitais, trazendo o tema para o centro das discussões familiares, educacionais e institucionais. 


A regulamentação das apostas on-line no Brasil é um avanço importante, mas ainda insuficiente diante da complexidade do problema. A falta de uma fiscalização mais incisiva, em conjunto com a fragilidade das campanhas educativas e a ausência de políticas públicas específicas para prevenção e tratamento da ludopatia, deixa milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade. O vício na sociedade não escolhe pessoas, por isso, o cuidado também não pode ser seletivo.



Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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