“Foi tanto sofrimento que eu nunca mais quis ter filhos”: a realidade alarmante da violência obstétrica no Brasil
- Giovanna Guitarrari e Nicoly Albuquerque
- 13 de jan.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de jan.
Esse tipo de agressão ainda não possui legislação específica no país

“Quando eu lembro do momento do meu parto, eu tenho um sentimento de dor e desconforto. Foi tanto sofrimento que eu nunca mais quis ter filhos”. Este é o depoimento de Andreia Brito, que foi mãe aos 25 anos de idade e sofreu violência obstétrica durante o seu parto. No entanto, só anos depois, Andreia teve consciência de que havia passado por esse tipo de agressão. Segundo ela, mais mulheres da sua família também tiveram experiências negativas quando deram à luz. “Eu achei que era mais uma entre tantas. Hoje, mais amadurecida e com um entendimento maior, eu entendo que não deveria ter sido tão doloroso quanto foi”.
A violência obstétrica é definida como todo e qualquer tipo de agressão contra a mulher gestante, seja de forma física ou psicológica. Ela pode acontecer no pré-natal, no trabalho de parto ou no puerpério, o momento pós-parto. Maria Clara Brandão, enfermeira e pós-graduanda em Enfermagem Obstétrica, explica que, assim como no caso de Andreia, muitas mulheres não reconhecem que passaram por um caso de violência obstétrica. Para a enfermeira, a mulher está em um momento vulnerável, envolvida com o processo do parto e, por conta das dores com as contrações, não possui meios de reagir.
Manobra de Kristeller e episiotomia
Maria descreve que a agressão verbal é um dos tipos de violência mais comuns na área obstétrica: “profissionais usam frases como ‘na hora que foi fazer não tava gritando desse jeito’ ou ‘você está fazendo mal para o seu filho gritando desse jeito’”. Além disso, há formas de violência física recorrentes, como a Manobra de Kristeller e a episiotomia. A primeira consiste na realização de pressão externa sobre o útero da mulher, com o objetivo de acelerar o trabalho de parto. Já a prática da episiotomia é um corte feito na região perineal da mulher com o objetivo de aumentar a abertura vaginal. Em 2001, o Ministério da Saúde definiu a episiotomia e a manobra de Kristeller como procedimentos prejudiciais ou ineficazes, que devem ser eliminados.
21 anos após seu parto, Andreia ainda relembra com detalhes sua experiência: “Assim que o neném estava saindo, algo aconteceu e ele voltou para a barriga. Então o médico jogou todo o peso dele em cima de mim com o cotovelo, forçando na altura do meu estômago, para fazer o bebê descer. Ele não conseguiu e foi buscar outro enfermeiro para ajudá-lo. Os dois fizeram força com o cotovelo em cima de mim. (...) Além disso, eles também fizeram um rasgo da minha vagina ao ânus para ajudar na saída do bebê. Até hoje eu consigo sentir os pontos”. Nesse caso, tanto a Manobra de Kristeller quanto a episiotomia foram usadas na hora do parto. A entrevistada relatou também ter ficado horas “desnorteada de tanta dor” e suja até a chegada de uma enfermeira. “Eu achei que eu ia morrer e cheguei a falar isso com minha tia, que acompanhou meu parto. Não dá nem para explicar direito esse momento”.
O silêncio sobre a violência obstétrica no Brasil
Mesmo sendo uma realidade alarmante, o assunto é pouco comentado e pesquisado no Brasil. O último levantamento nacional, nomeado “Nascer no Brasil”, foi feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2012. Nele, os dados apontam que 45% das mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) sofreram violência obstétrica, enquanto no sistema privado essa taxa é de 30%. Outro fator grave é a falta de uma legislação federal que defina e regulamente a violência obstétrica no país. Apenas a Lei nº 11.108/2005, Lei do Parto Humanizado, ampara mulheres grávidas, garantindo à gestante o direito a acompanhante no SUS durante o trabalho de parto, no parto e no pós-parto. No entanto, os atos de agressão não possuem lei específica, sendo enquadrados em crimes já instituídos na lei brasileira, como lesão corporal, injúria, ameaça ou importunação sexual. Como não está prevista no Código Penal, a violência obstétrica por si só não realiza prisões.
Como combater a violência obstétrica?
Entender o que é violência obstétrica é o primeiro passo para que a gestante e o acompanhante reconheçam essa forma de agressão. Por isso, a enfermeira Maria Clara explica a importância da educação em saúde para conscientizar a população. “Essa educação é aplicada tanto para gestantes quanto para acompanhantes. A gente pode fazer isso durante o pré-natal, a partir de atividades com a população nas unidades de saúde da família, e também dentro dos hospitais e maternidades.” A profissional também ressaltou que usa métodos para tranquilizar a mulher em trabalho de parto, como criar um vínculo de comunicação com a gestante, além de demonstrar todo o apoio, motivando-as com falas suaves e toques autorizados.
Canais de denúncia
É possível realizar uma denúncia no próprio hospital em que a paciente foi atendida, na secretaria de saúde responsável pelo estabelecimento, na delegacia de polícia mais próxima ou em conselhos de classe como o Conselho Regional de Medicina (CRM) ou o Conselho Regional de Enfermagem (Coren). Outros canais para denúncias são os números 180, Central de Atendimento à Mulher, e 136, Disque Saúde. A gestante também é amparada pelos princípios fundamentais da Constituição, como a proteção à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana, à maternidade e à infância.
Publicado por: Geovana Pessôa