A urgência da regulação das plataformas sociais e o descompasso da classe política brasileira
- Luis Henrique Vieira
- 15 de jan.
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Atualizado: 28 de jan.
O debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil é um tema central para a democracia e os direitos humanos. Contudo, o que deveria ser tratado com urgência enfrenta um entrave inexplicável na Câmara dos Deputados. Enquanto o mundo testemunha os impactos devastadores da desinformação, do discurso de ódio e da manipulação de debates públicos, a classe política brasileira parece incapaz de lidar com uma questão tão urgente.
Os fatos da história recente do país mostram como a questão é preocupante – ou pelo menos deveria; como em 8 de janeiro de 2023, quando extremistas políticos, organizados por grupos de aplicativos de mensagem inundados de desinformação sobre urnas eletrônicas, marcharam sobre os edifícios das instituições democráticas brasileiras, revelando o desrespeito ao regime democrático e anunciando aos novos parlamentares a necessidade de assumirem a pauta da regulação das redes.
Não bastasse isso, em abril do mesmo ano, durante investigações sobre os ataques às escolas em Blumenau, que mataram quatro crianças, 225 pessoas foram presas ou apreendidas, no caso de menores de idade, por propagar a violência contra crianças. Na época, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que cerca de 756 perfis foram removidos de redes sociais por promoção do ódio e afirmou que as ações delituosas foram estimuladas por “uma rede criminosa”.
Casos como esses mostram que a desinformação não é um problema abstrato. Ela está diretamente conectada à proliferação de discursos de ódio, racismo, misoginia, homofobia e transfobia, além de contribuir para crises como o desmatamento e a destruição ambiental.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam um crescimento de homicídios e feminicídios, com um impacto desproporcional sobre mulheres e pessoas negras. O mesmo vale para a população LGBTQIAP+, que enfrenta violência constante, alimentada por narrativas de ódio propagadas em plataformas digitais.
No âmbito ambiental, a crise do povo Yanomami é um reflexo do uso deliberado da desinformação para legitimar práticas ilegais. Redes sociais têm sido utilizadas para disseminar mentiras que mascaram crimes ambientais, promovendo a destruição de territórios e o genocídio de comunidades indígenas.
Diante da inércia do Congresso Nacional, que desde 2023 rumina o Projeto de Lei 2630/2020 que começaria a responsabilizar as empresas responsáveis pelas plataformas, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu protagonismo. Em novembro de 2024, o STF iniciou o julgamento de ações sobre a regulamentação das redes sociais e a interpretação do Marco Civil da Internet. Para os ministros, regular é fundamental para enfrentar a difusão de conteúdos antidemocráticos e de discursos de ódio. A ausência de uma legislação específica transfere para o Judiciário a responsabilidade de decidir sobre questões complexas que, em condições ideais, deveriam ser resolvidas pelo Congresso.
O Senado já fez sua parte ao aprovar o PL 2630. Em abril de 2024, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, voltou a lembrar que a regulação é inevitável e que o Congresso precisa estabelecer marcos inteligentes para disciplinar o uso das plataformas digitais. Contudo, enquanto o Senado avança, a Câmara paralisa em disputas políticas e grupos de interesse.
Desde a criação de um grupo de trabalho para analisar o PL das Fake News, não houve progresso. Isso reflete não apenas negligência, mas também uma desconexão com as necessidades urgentes do país.
E quem celebra isso são as big techs. Empresas como Meta e Alphabet exercem pressão para evitar regulações que limitem seus modelos de negócio. Para elas, a circulação irrestrita de conteúdos, mesmo que prejudiciais, é fonte de lucro. A investigação do Aos Fatos, em junho de 2023, demonstrou como a Meta lucrava com anúncios de venda de perfis falsos para golpes e propaganda enganosa. Por isso, o papel dessas plataformas na manipulação de opiniões públicas e na disseminação de desinformação não pode ser ignorado.
Como o que é ruim sempre pode piorar, o empresário estadunidense Mark Zuckerberg anunciou, em 7 de janeiro de 2024, o fim da checagem de fatos nas plataformas da Meta (Facebook, Whatsapp, Instagram e Threads). Trata-se de um aceno claro da empresa em apoio à política do presidente eleito Donald Trump, que defende a “liberdade de expressão” como direito absoluto – mesmo que atente contra regimes democráticos, saúde pública, direito à dignidade e vida das pessoas. Movimento, sem dúvida, muito ardiloso do mandatário da Meta, que agora ganha um aliado de peso para exercer pressão contra países e instituições que estabelecem regulação sobre o funcionamento de suas empresas.
Regular redes sociais não é censura. Trata-se de estabelecer limites para que plataformas não sejam territórios sem lei, em que a desinformação e o ódio prosperam sem consequências. O descompasso entre a urgência do tema e a lentidão do processo legislativo é uma traição às necessidades da sociedade. O Brasil merece um ambiente digital mais justo e saudável, no qual a liberdade de expressão seja garantida, mas onde também haja proteção contra os efeitos devastadores da desinformação e do discurso de ódio. Não há mais espaço para adiamentos, é hora de o Congresso assumir sua responsabilidade e entregar à sociedade um projeto de regulação eficaz para o país.
Publicado por Christian Domingues