Sonho doce, realidade amarga
- Bruna Sebollela e Víctor Affonso
- 8 de out.
- 7 min de leitura
Brasileiros recorrem a múltiplas possibilidades de negócio em busca de renda extra

No Brasil, de acordo com registros referentes à população economicamente ativa do país, a cada 100 trabalhadores que possuem ensino superior completo, cerca de 24 atuam de maneira informal. Já aqueles que possuem ensino médio completo ou superior incompleto representam um percentual de aproximadamente 36%. Por fim, trabalhadores informais que possuem apenas o ensino fundamental ou que não possuem nenhuma instrução totalizam cerca de 53% e 62%, respectivamente.

Esses dados de 2023, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sinalizam que a maior parte da população que trabalha com atividades informais possui menor nível de instrução. Logo, surge uma relação direta entre o aspecto econômico e o social, muito influenciada pelas características do país e pela dificuldade de se encontrar um emprego formal, tendo menores oportunidades relacionadas aos estudos.
Mesmo a partir desse cenário, o número de pessoas com graduação já finalizada ou que possivelmente estão em uma universidade também é significativo. A principal justificativa para esses dados reside na “renda extra”, que surge como uma das soluções para melhorar o cotidiano afetado pela desigualdade socioeconômica. Esse método se manifesta de forma ainda mais expressiva em estados nos quais o custo de vida é mais elevado. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Cidades Sustentáveis em parceria com a Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) revelou, por exemplo, que 56% da população brasileira precisou fazer atividades extras para complementar sua renda em 2024. A partir desse contexto, dois personagens aparecem e ilustram grande parte dessa história: Bernardo Monteiro e Luciana Rivas.
Venda para dar oportunidades ao filho
Luciana Rivas, 55 anos, tem duas graduações – Engenharia Química e Engenharia Mecânica –, e doutorado em Matemática, todos os títulos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, trabalha como professora de matemática da rede municipal do Rio de Janeiro. Mesmo com as suas formações acadêmicas e com seu trabalho formal, Luciana faz parte dos 58% de pessoas do estado que precisam complementar renda, segundo pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis. Há cerca de três anos, ela também vende doces.

A professora viu nos doces uma oportunidade de unir um hobby com a possibilidade de ganhar dinheiro. Ela afirmou que sempre gostou de preparar as guloseimas e que cozinhar é uma tradição familiar. Então, pegou as receitas de sua mãe, conhecida por seus quitutes, e começou a vender.
Luciana conta que começou as vendas para custear as atividades de seu filho mais novo, de 11 anos. “Ele sempre gostou muito de esportes, pratica judô, muay thai e jiu-jítsu, é federado e compete bastante, inclusive viajando para campeonatos. Essas viagens e competições são muito caras e estavam fora do meu orçamento, sem falar nos uniformes (kimonos e luvas) e nas trocas de faixas semestrais. Então, para conseguir custear essas despesas, comecei a produzir doces”, explica.
Entretanto, esta é uma atividade que tem dois lados. Luciana considera que a carga de trabalho é uma desvantagem do serviço, já que a produção dos doces exige muito tempo. Por outro lado, ela destaca positivamente a possibilidade de conciliar as vendas com sua rotina de professora em escola pública, onde também comercializa muitos de seus produtos. Segundo ela, é um trabalho que dá muito prazer, pois é algo que gosta de fazer, além de aproximá-la das pessoas. “É gratificante ver os clientes elogiando e voltando a comprar”, completa.
Luciana revela que, apesar de seu trabalho formal, tem expectativa de crescer na área das vendas, com desejo de expandir, investir em divulgação e participar de eventos com mais frequência. Ela ainda declara que sonha em ter um espaço dedicado somente à produção dos doces no futuro, já que hoje em dia faz tudo de casa, assim como os 40,7% dos Microempreendores Individuais (MEIs) que atuam na mesma área que Luciana, conforme outra pesquisa feita pelo IBGE em 2022.
A empreendedora aponta que a instabilidade das vendas é uma preocupação, já que a renda não é fixa. Segundo ela, consegue bons números em datas comemorativas, como Páscoa, Natal e Dia das Mães, mas que varia ao longo do ano. Ainda assim, Luciana destaca que o lucro representa um complemento importante na sua renda, impactando positivamente seu dia a dia.
Ela afirma que, com o dinheiro das vendas, pode investir nas competições esportivas de seu filho, dar mais oportunidades a ele e melhorar a condição de vida de sua família, coisas que só seu salário como professora não permitiria. “Para mim, esse trabalho com os doces é muito mais do que apenas uma renda extra, é também uma forma de realizar sonhos e dar suporte para o futuro do meu filho”, conclui.
Renda como caminho para liberdade financeira
Situação semelhante é a de Bernardo Monteiro, 23 anos, estudante de jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O aluno da Faculdade de Comunicação Social é estagiário da TV Uerj e trabalha como freelancer de planejamento. Juntamente a essas atividades, ele produz, há quase dois anos, cookies e brownies para vender na universidade como uma forma de monetizar por meio de um hobby. Bernardo comercializava os doces no estágio quando percebeu, a partir das demandas e de uma conversa com uma colega na redação, que seria vantajoso expandir as vendas para todos na faculdade.

Embora destaque a parte terapêutica da produção e os lucros como pontos positivos nas suas vendas, Bernardo ressalta, além de questões como atrasos e sono, o custo financeiro como uma das desvantagens de trabalhar com esse empreendimento. “Os gastos são sempre muito grandes, principalmente vendendo doces. A base dos meus produtos é chocolate e o chocolate está muito em alta. O valor acaba sendo repassado para o produto, mas é um custo elevado”, aponta o estudante.
De acordo com dados fornecidos a partir do estudo realizado pelo IBGE em 2024, mais de 11 mil MEIs registrados trabalham com a fabricação de produtos derivados do cacau, do chocolate e confeitos. Essa estatística revela o crescimento na produção de doces no país, seja como renda principal, seja como renda complementar. A demanda encarece o preço do chocolate e ilustra o aspecto negativo mostrado por Bernardo na produção de seus doces.
Além disso, o estudante de jornalismo também falou sobre a importância financeira das vendas no seu cotidiano. Ele revelou que os pais possuem uma estabilidade financeira, mas que produz os doces porque gosta e objetiva conseguir renda extra no mês. “Eu não vendo para pagar a faculdade, eu não vendo para pagar as contas de casa. Eu vendo doce para conseguir fazer um dinheiro a mais, para conseguir conquistar um pouco de liberdade financeira”, afirmou.
Bernardo Monteiro se insere dentro dos 36% que possuem ensino superior incompleto e trabalham no setor informal. O estudante representa uma das possíveis variáveis que se inserem dentro desse mercado, que usualmente é marcada por uma maior possibilidade em relação às oportunidades, mas que enxerga benefícios na complementação financeira adquirida a partir dos empreendimentos. “É bastante importante, mas não é algo fundamental”, ressaltou o empreendedor sobre os lucros com os doces.
Impacto de microempreendimentos na economia
A economia é caracterizada por sua diversidade e complexidade, sendo diretamente afetada pelo aumento da atividade de microempreendedores, seja na tributação, seja na circulação de renda e consumo, seja nos investimentos. Fábio Aquino, graduado em Administração e professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ) na área de Administração, Políticas Públicas e Desenvolvimento Empresarial, falou sobre os impactos dos empreendedores no setor econômico.
Segundo estatísticas do IBGE, havia cerca de 14,6 milhões de cadastros de MEI em 2022 no Brasil. A formalização de pequenos empreendimentos como MEI representa a inclusão na economia de uma parcela de trabalhadores que antes operava na informalidade. Isso amplia a base de contribuintes, aumentando a receita de impostos estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e municipais, como o Imposto sobre Serviços (ISS).
Por outro lado, Aquino ressalta que o aumento de pequenos negócios pode levar a uma evasão fiscal significativa, já que muitos empreendimentos não são formalizados. Segundo os indicadores econômicos de 2024, divulgados em 2025 pelo IBGE, o número de pessoas que trabalham por conta própria sem registros é de aproximadamente 19,3 milhões. Com a dificuldade de fiscalizar e tributar as transações informais, há uma perda de receita para o Estado.
“No contexto do Rio de Janeiro, onde a economia informal é historicamente relevante, o desafio é encontrar um equilíbrio entre incentivar a atividade empreendedora e garantir que a base tributária seja ampliada de forma justa e eficiente.”, aponta Aquino.
O aumento na atividade de microempreendedores, sejam eles formais ou não, tem impacto direto na circulação de renda do país. Isso ocorre através da compra de insumos, contratação de serviços ou simplesmente pelo aumento do poder de consumo das famílias que dependem desses negócios.
A teoria econômica do efeito multiplicador diz que cada unidade de moeda gasta é reinvestida e circula, gerando um impacto econômico maior do que o seu valor inicial. A circulação de dinheiro se intensifica, beneficiando não apenas os empreendedores, mas também outros setores da economia local, como o comércio e o setor de serviços.
“Esse efeito é particularmente importante em áreas periféricas ou com menor dinamismo econômico, onde a atuação dos microempreendedores costuma ser o principal motor de geração de empregos”, afirma o professor.
Esses empreendimentos aparecem como alternativa na obtenção de renda e, muitas vezes, as pessoas têm o desejo de expandir os serviços, como é o caso de Luciana. Porém, Aquino destaca que o crescimento desses negócios pode ser limitado pela falta de acesso ao crédito formal e a estruturas de apoio. A atração de investimentos depende diretamente da capacidade do Estado de criar um ambiente que estimule a formalização, o acesso ao capital e o desenvolvimento sustentável desses negócios.
Publicado por: Geovana Costa